Por Marina Lordelo

Uma escola periférica do Rio de Janeiro e uma professora de cinema que mergulha em um processo criativo coletivo com seus alunos para a construção de um longa-metragem. Isso por si só já seria um plot suficientemente interessante de um documentário, mas Jo Serfaty cria uma espécie de autoficção conduzida por quatro alunos da escola municipal carioca do Rio das Pedras. O maior desafio da realizadora é, então, retratar as férias escolares a partir de uma visão naturalista que se distancia das comédias estadunidenses cheias de acontecimentos incríveis.

A habilidade de Serfaty transita entre assumir uma linguagem autoficcional fornecendo, inclusive, equipamentos para os jovens se filmarem e de construir processos encenados a partir de uma espécie de autofagia consciente dos videoclipes coreanos/japoneses tão populares entre adolescentes. Uma escolaridade pública e periférica do Rio de Janeiro que não ressalta a violência escatológica, as drogas ou a pobreza, mas os dilemas existenciais e religiosos, sexuais e sociais de forma respeitosa. 

Karol, Júnior, Caio e Ronaldo contam então as histórias de um mesmo verão escolar, garantindo as justas opacidades que suas vidas demandam. É possível conhecer os quatro amigos e apreciar suas narrativas individualizadas sem esperar transformações complexas ou grandes tragédias do subdesenvolvimento. Ao passo que as situações estão postas, os personagens têm vidas desprovidas de privilégios – Karol busca trabalho ao passo que Ronaldo entra em um amplo dilema religioso entre o candomblé e o protestantismo.

A cena da busca de trabalho de Karol revela tanto a honestidade da personagem em assumir que não sabe fazer nada, ou que não tem motivações grandiosas para trabalhar com arte e educação, quanto a sensibilidade de Serfaty em acompanhar essa “mini-jornada” num campo de neutralidades que flerta entre o real e o ficcional. E se a direção de arte absolutamente intuitiva, a fotografia segue a luz natural em sua maior parte do tempo, a câmera de Pedro Pipano é engenhosa em procurar práticos e luzes que cumpram uma função técnica e estética e que se movimente de forma orgânica e suave.

Não a toa tudo está na tela: Serfaty tem um domínio muito sincero do que deseja. Ainda que talvez não haja decupagem, equipamentos sofisticados ou atores profissionais, o filme é autoconsciente de tudo isso, abraça as possibilidades e torna o cinema brasileiro cheio de frescor, de carinho e de calor. 

*Essa crítica faz parte da cobertura do XV Panorama Internacional Coisa de Cinema, em Salvador, Bahia. 

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 95′

Gênero: Comédia, drama

Direção: Jo Serfaty

Elenco: Caio Neves, Júnio Souza, Ronaldo Lessa e Karollayne Rabech

Avaliação do Filme

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