Por Luciana Ramos
Stéphanie (Anna Kendrick) compartilha o seu tempo entre as atividades do seu vlog culinário e as dedicadas ao filho Miles (Joshua Satine) – e seu empenho recebe ampla desaprovação dos outros pais. Sua personalidade introvertida e nervosa, somada ao ímpeto irrestrito de agradar, a leva a uma existência solitária…até conhecer Emily (Blake Lively).
Sempre glamourosa, em uma sucessão de terninhos e saltos Louboutin, esta trabalha como relações públicas de um estilista famoso, possui uma casa gigante e repleta de obras de arte e encara o mundo com um despojamento escrachado que causa certo espanto. Ao ir buscar seu filho Nicky (Ian Ho) na escola, é encurralada por este, que quer brincar com Miles.
Emily então convida a mulher para um drinque em sua casa, o que logo se torna um hábito. A amizade é vista com desconfiança por aqueles ao redor, que estranham a discrepância gritante entre as duas personalidades. Elas, no conforto do lar, ao som de música francesa sofisticada e embaladas por martínis, começam a trocar confidências: uma abre o jogo sobre seus problemas financeiros e maritais, a outra conta como perdeu o marido e atreve-se a compartilhar um segredo tabu da sua adolescência.
É então que Emily pede um pequeno favor – que sua amiga pegue seu filho na escola – e então some sem deixar rastros. A partir daí, constrói-se a interessante narrativa do novo filme de Paul Feig. Acostumando a alavancar talentos cômicos em séries de televisão (“The Office”, “Freaks and Geeks”) e trabalhos para o cinema (“As Bem Armadas”, “Caça-Fantasmas”), ele decidiu afastar-se um pouco da sua zona de conforto, apostando em algo mais sombrio e misterioso.
Com “Um Pequeno Favor”, ele demonstra sua habilidade em identificar e pontuar o humor em uma história de desaparecimento, oferecendo pequenos respiros em meio às inúmeras reviravoltas, moldando a narrativa com um tom cínico altamente palatável, que torna a experiência de assistir ao filme agradavelmente simples.
O citado cinismo transparece nas ações de ambas as mulheres, oferecendo camadas adicionais de personalidade que contrapõem às suas aparências “inofensivas”. O desespero de Stéphanie com o desaparecimento da “melhor amiga” – título dado por ela sem considerar a brevidade do tempo partilhado juntas – é inicialmente explicado pela sua evidente carência. A seguir, nota-se um caráter intrusivo fora do normal, que parece desconhecer os limites sociais.
Ela, então, revela um outro lado, que transita entre admiração e inveja, exalado a partir da oportunidade de ocupar o lugar da desaparecida. Sua solicitude é aplaudida pelos próximos, mas o olhar que Feig oferece ao público explicita o contentamento dela com alguns dos desdobramentos mórbidos, algo digno de uma personalidade, no mínimo, perturbada.
É Stéphanie que decide ir a fundo e descobrir o que aconteceu com Emily e, no caminho, ela toma conhecimento de que sua tida amiga era, na verdade, um grande mistério. Através da sua busca, o espectador aprende que a mulher que desapareceu era um poço de mentiras, aparências e informações desencontradas.
O jogo enigmático estabelecido é o ponto alto da trama, que trabalha fornecendo ideais superficiais de perfeição para posteriormente desconstruí-las de maneiras sórdidas. No centro, estão duas personagens complexas e inteligentes, que sabem usar dos seus pontos fortes – e mascará-los em auras de inocência fabricadas – para atingir o que desejam.
O maior trunfo de Feig está em destacar esses momentos, explorando o máximo do talento de suas atrizes. Anna Kendrick atua em um tipo de personagem confortável a ela, já que previamente encarnado em outras produções. Porém, aqui o faz com imenso cuidado nos detalhes, transitando entre inocência e dissimulações com imensa facilidade. Já a Blake Lively é oferecida a oportunidade de sair da superficialidade de papéis de mocinhas problemáticas para assumir com confiança uma persona complicada e atraente. A sua performance une carisma a um excelente timing cômico e atesta o seu talento.
O longa caminha como um grande deleite até o final, onde sucumbe à tentação de inserir sucessivos plot twists, que se tornam exaustivos. Ademais, eles quebram um pouco do apelo construído até o momento ao ir paulatinamente simplificando os acontecimentos, investindo no acaso como um fator determinante e, em um ponto-chave, utilizando-se de uma desculpa mal elaborada para concluir a trama.
O clímax insatisfatório, no entanto, não é capaz de apaziguar totalmente a diversão proporcionada pelo filme. Mesmo com problemas, “Um Pequeno Favor” é uma excelente pedida para os desejosos de retratos interessantes de mulheres no cinema, além dos que gostam de um leve mistério.
Pôster
Ficha Técnica
Ano: 2018
Duração: 117 min
Gênero: comédia, crime, drama
Direção: Paul Feig
Elenco: Blake Lively, Anna Kendrick, Henry Golding, Andrew Rannells
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