Por Luciana Ramos
A cinematografia de Paul Thomas Anderson explicita o interesse do diretor em refletir sobre a sociedade americana através da sua história. De “Sangue Negro” ao recente “Licorice Pizza”, o passado é tratado como combustível de investigação do comportamento social dos EUA, suas falhas institucionais e os reflexos dessas nas vidas íntimas de seus personagens ficcionais, espelhos de uma realidade mais dura do que o “american way of life” pretende ser.
Quando, por fim, opta por representar o presente, PTA parece focar no que há de mais profundamente humano, a exemplo dos belíssimos “Embriagados de Amor” e “Magnólia”. Em seu mais novo trabalho, ele decidiu combinar os dois espectros em uma obra alucinante e tão propositalmente engraçada quanto brutal.
Os Estados Unidos de “Uma Batalha Após a Outra” são um organismo militarizado e segregacionista, que aposta em coerção pela força de minorias, incluindo campos de concentração para imigrantes e políticas abertamente racistas como modelo de institucionalidade. Em contraposição frontal, grupos de guerrilheiros urbanos se unem para combater o caos com o caos.
O French 75 é uma dessas organizações que explode lugares, assalta bancos e liberta detentos. Embora movidos pelo senso de justiça, os seus membros diferem em propósito, escala e engajamento, a exemplo de Bob Ferguson (Leonardo Di Caprio), um homem branco especializado em criar bombas, e sua companheira, Perfidia Bervely Hills (Teyana Taylor), mulher de linhagem revolucionária de caráter impulsivo. O seu encontro com o oponente, o capitão Jack Lockjaw (Sean Penn), é o ponto de partida da narrativa, uma semente que irá se debelar em um confronto direto entre os dois homens mais de quinze anos depois.

De um lado, portanto, impõe-se a força bruta das armas com toda a sua mediocridade retórica, embalada em um senso de superioridade moral que não se preocupa em mascarar nem o racismo preeminente nem, tampouco, a hipocrisia que ele abarca. De outro, há uma força revolucionária fragmentada, respirando por aparelhos em mensagens enviadas via rádio por um dos seus últimos membros ativos, além de códigos extensos e complexos que revelam uma base underground de apoios aos que precisam. Ao centro dispõem-se Bob, um cara chapado de meia-idade cuja desilusão o impede se manter atento e forte, e sua filha Willa (a expressiva Chase Infiniti), uma adolescente super capaz que deve colocar em práticas as teorias “paranoicas” alimentadas pelo pai ao longo da vida.
Entre todos os acertos do excelente “Uma Batalha Após a Outra”, este é o principal: tecer um complexo panorama político e social de um país não muito longe da sua forma atual através de uma jornada familiar e, portanto, muito humana. A identificação quase imediata com as motivações desses personagens permite ao espectador embarcar frontalmente na aventura que se apresenta. Em particular, PTA demonstra imensa habilidade em transitar entre dois gêneros que não havia abordado em profundidade nos filmes anteriores: o suspense e a ação – esta muito bem representada na sequência final de tirar o fôlego.
Os diálogos engraçados e certo tom satírico da obra, em especial na composição do personagem “chapado do bem” de Di Caprio (com direito ao uso de um robe à la Dude, de “O Grande Lebowski”), ajuda a equilibrar a brutalidade sem nunca despir do espectador a sensação de claustrofobia inerente ao caráter opressivo de Lockjaw e, por conseguinte, do governo que representa.

Como de costume, o diretor demonstra imenso conhecimento na especificidade linguística do cinema, apostando na construção de imagens marcantes – como a grávida Perfidia praticando tiros com uma metralhadora – e sons que ora perturbam, ora confortam. A excelente trilha jazzística de Jonny Greenwood ajuda a pontuar as ações mais relevantes, conduzindo a experiência cinematográfica em toda a sua potência.
Entre homens brancos racistas de camisas polos e jovens revolucionários de skate, o filme apresenta uma miríade de tipos e rostos marcantes que ajudam a pontuar quem é quem nesse épico americano e, nesse ponto, o elenco de renome faz total diferença. Destaca-se, no entanto, a novata Chase Infiniti, que imbui a sua Willa de caráter e credibilidade, expressando em igual proporção a confusão e tenacidade de sua personagem.
É interessante observar o contraponto argumentativo feito pelo diretor na sua obra. Talvez o combate à opressão institucional não seja uma ação frontal e tão violenta quanto, mas uma comunidade de pessoas ditas comuns que se interligam pela vontade de se ajudar e proteger. Ao fim, não há uma superação das tensões por completo, mas apenas o reforço do título: é uma batalha após a outra, sem cessar ou desistir. Quem sabe, mais do que uma mera reflexão, esse filme não atue também como um chamado.

Ficha Técnica
Ano: 2025
Duração: 2h 41m
Gênero: ação, comédia, épico, thriller político
Direção: Paul Thomas Anderson
Elenco: Leonardo Di Caprio, Benicio Del Toro, Sean Penn, Regina Hall, Teyana Taylor, Chase Infiniti, Tony Goldwyn





