O Festival de Sundance, liderado há 34 anos pelo ator, diretor e produtor Robert Redford (que acaba de anunciar sua aposentadoria) tornou-se o principal palco de cinema independente do mundo, tendo abarcado uma série de produções que logo se tornaram icônicas, como “Juno” e “Pequena Miss Sunshine”. Seu reconhecimento o levou a se tornar um amplo local de visibilidade e negociações: filmes pequenos que desejam despontar na corrida para o Oscar ou garantir distribuição internacional invariavelmente passam por lá.
O crescimento de toda esta cadeia cinematográfica provocou um aumento nos montantes gastos por distribuidoras na aquisição dos direitos de filmes e séries. Em 2016, a Fox Searchlight chocou a todos ao comprar “O Nascimento de Uma Nação” por U$17,5 mi, o valor mais alto já gasto em Sundance. O ressurgimento de acusações de estupro envolvendo o diretor e ator Nate Parker, no entanto, enterraram o filme, timidamente lançado comercialmente nos EUA após ter sofrido boicote – no Brasil, foi direto para DVD.
Este notório fracasso parcialmente explica a timidez da maioria dos players tradicionais desde então no Festival. As novas e ansiosas gigantes de streaming vêm ocupando este lugar, dispondo dinheiro a torto e a direito em troca das aquisições das produções de maior sucesso, seja de público ou crítica. Dentre elas, a Netflix era conhecida por investir alto nas compras, mas este ano sua concorrente foi quem surpreendeu.
Depois de um desempenho inexpressivo nas negociações do ano anterior, a Amazon Prime passou por uma reestruturação e contratou Jennifer Salke para gerenciar as compras. Motivada e capitalizada, ela gastou as mais expressivas quantias desta edição de Sundance, comprando três dos principais títulos exibidos, “Brittany Runs a Marathon”, “The Report” e “Late Night”.
O que deixou frequentadores e especialistas da indústria surpresos foi o dinheiro gasto em cada investimento: os dois primeiros filmes, respectivamente sobre uma garota que decide mudar a sua vida ao se inscrever em uma maratona e a história sobre a investigação do uso de tortura pela CIA, tiveram suas distribuições globais adquiridas por 14 milhões cada.
Já “Late Night”, que conta a história de uma apresentadora de programa de TV noturno (Emma Thompson) que se vê obrigada a servir como mentora de uma escritora (Mindy Kaling) por conta do esforço da emissora em contratar minorias, teve sua distribuição doméstica comprada pela plataforma de streaming por 13 milhões de dólares. Esta é a segunda maior compra da história do festival – já que não envolve a sua comercialização fora dos Estados Unidos.
A estratégia agressiva da Amazon, que gastou 41 milhões ao total em Sundance, combina-se também com o clamor da empresa em oferecer um conteúdo mais diversificado para seu público, seja por meio de filmes e séries que adotem o ponto de vista feminino (exemplo dos três longas citados) ou que sejam produzidos por minorias (caso de “Late Night”, escrito e estrelado por Kaling e dirigido por Nisha Ganatra).
Em contraponto, distribuidoras independentes como a Neon e a Magnolia Pictures tiveram desempenhos tímidos, não adquirindo nenhum título de impacto. A Sony, por sua vez, voltou-se para a compra de documentários, enquanto a A24, tradicional compradora de filmes, exibiu produções próprias e firmou acordo de distribuição das mesmas com a HBO – que também exibiu uma produção original, o controverso documentário “Leaving Neverland”, sobre as acusações de assédio sexual de menores envolvendo Michael Jackson.
A Netflix, por sua vez, mesmo munida de dinheiro, perdeu algumas “bidding wars” (leilões de filmes) importantes, um sinal do quanto ainda é vista com desconfiança pela indústria do entretenimento. Sua maior aquisição acabou sendo “Extremely Wicked, Shockingly Evil and Vile”, que retrata a história do serial killer Ted Bundy (interpretado por Zac Efron) pelo olhar de sua namorada, vivida por Lily Collins. O filme não agradou muito a crítica, que apenas exaltou o talento demonstrado por Efron no papel. Porém, a sua distribuição pode ser proveitosa para a plataforma de streaming, visto o sucesso que títulos sobre crimes reais (no formato documental ou ficcional) têm com seus assinantes.