Por Marina Lordelo

 

Hoje é o dia mais longo do ano, o primeiro dia do verão”, fala o militar Antoine (Antoine Bourseiller)  sobre o fenômeno do Solstício à cantora Cléo (Corinne Marchand) que, nas próximas duas horas (das 5 às 7) irá receber o diagnóstico que mudará sua vida e carreira. Este é centrado na metáfora que representa a relatividade do tempo, explorado pela diretora e roteirista francesa Agnès Varda através de uma interessante narrativa de mais uma personagem feminina de sua filmografia.

O tempo cronológico equivalente ao narrativo não é um recurso usualmente empregado no cinema, devido a sua complexidade técnica e também a potência que demanda do roteiro. Com maestria Varda, uma das pioneiras na Nouvelle Vague francesa, não só utiliza deste recurso como ferramenta que conduz a geografia e o tempo da história, como adiciona subtítulos que garantem ao espectador a honestidade de sua escolha – tudo está milimetricamente cronometrado.

Cléo então se desnuda ao espectador através de seus diálogos pouco eloquentes, sua necessidade de consumo, seu estilo de vida burguês pouco afetuoso e suas angústias e inquietações. Ela transita por uma Paris pouco visitada pelas obras de cinema, sem clichês turísticos, cheia de transeuntes que vivem suas vidas aparentemente desprovidos da preocupação que a atormenta: a iminência da morte. Para garantir a fluidez da narrativa e ansiedade da espera, a diretora aposta em superenquadramentos diversos, emoldurando a protagonista em portas, bondes, carros, vidros, entre asas angelicais e até espelhos. Estes últimos, amplamente utilizados como recursos metalinguísticos e também literais, reforçam a fala do empresário da cantora: “sua beleza é a sua saúde”.

 

 

Mas é no conjunto de sutilezas e inovações de linguagem que Agnès Varda consegue relacionar o indigesto tema da doença às definições de corpo e beleza, conduzindo esta mulher por uma jornada interior, manifestando interesse maior em seguir suas horas de angústia do que na frieza do diagnóstico final. Para isso, usa a câmera na mão de forma eficiente, habilidosa e ativa que, ao acompanhar a protagonista, de forma objetiva ou subjetiva, garante que Cléo sempre estará em quadro.

Por fim, deve-se falar do princípio: uma sequência em plano zenital (aquele que mostra a visão onisciente do “Deus”) e colorida apresenta a consulta entre a protagonista e uma cartomante – que não à toa veste mangas longas roxas.  Varda não desperdiça nenhuma oportunidade, se a sequência onisciente está em cores, ao assumir a visão de Cléo do processo, tudo fica monocromático, apático e contido – e assim segue até o fim. Um filme que adota de forma engenhosa o uso da linguagem cinematográfica como estrutura narrativa de uma história forte, corajosa e, acima de tudo, feminina.

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

Ano: 1962

Duração: 90 min

Gênero: drama, comédia

Direção: Agnès Varda

Elenco: Corrine Marchand, Antoine bourseiller, Dominique Davray

 

Trailer:

 

Imagens:

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