Por Luciana Ramos

 

[Contém Spoilers]

 

Ted (Dustin Hoffman) está tão distraído contando anedotas ao seu chefe que não percebe que o horário de trabalho já se encerrou há muito tempo. A realização disso, no entanto, não o faz correr. Ao chegar em casa, encontra Joanna (Meryl Streep) nervosa, ansiosa para falar, mas não a escuta. Quando ela diz que está indo embora, ele sequer acredita. Somente quando ela enfaticamente repete e sai com uma mala nas mãos que ele percebe. Sua reação, no entanto, é a de questioná-la sobre sua responsabilidade, já que a dele (a de “trazer dinheiro para casa”), segundo sua visão, está sendo cumprida.

A cena inicial de “Kramer vs. Kramer”, um embate rápido de um casal na iminência da separação, consegue traduzir muito de uma maneira simples: nesta configuração familiar, há um gritante desequilíbrio entre as partes. A atitude de Joanna em abandonar seu filho por se dizer incapaz, parece extremamente egoísta, mas pode ser relativizada pelo modo com que seu marido recebe a notícia, um indício do nível de negligência a que foi submetida. Ele, por sua vez, enfrenta o baque do término súbito com a fúria de quem tem trabalho para fazer e, por isso, não sabe como vai lidar com a mudança.

O filme se propõe a observar o relacionamento de Ted com o pequeno Billy (Justin Henry), de oito anos que, a princípio, parece guiar o pai, por saber descrever os detalhes da sua rotina. A interação entre os dois começa conflituosa, muito por conta da falta de entendimento de ambos às limitações do outro. Paulatinamente, eles vão se adequando à nova realidade, descobrindo a parceria, trocando a dinâmica de desafios infantis e irritação parental crônica por demonstrações mútuas de afeto. O roteiro explicita a evolução apostando em repetições, como as cenas de preparo do café-da-manhã, introduzindo pequenas mudanças de comportamento que denotam o gradual fortalecimento da relação.

 

 

Apostando no retrato das agruras e alegrias do cotidiano familiar, o filme descreve o peso emocional que o menino carrega pela separação física da mãe, a qual não deixa de se sentir culpado. Aposta, no entanto, no maior desenvolvimento da batalha de Ted em assumir pela primeira vez a criação de seu filho (nem sempre uma tarefa fácil), ao mesmo tempo em que tenta cumprir suas obrigações profissionais. Nesta jornada, ele aprende sobre a importância de olhar para o outro e enfim compreende a sua parcela de culpa na separação. A sua evolução enquanto personagem pode ser exemplificada pela sua amizade com Margaret (Jane Alexander), a vizinha divorciada de quem desdenha no início, mas, com o tempo, passa a confiar plenamente.

Se a narrativa tivesse se esgotado neste ponto, o filme certamente não teria o mesmo impacto, por ter ignorado a outra perspectiva dos fatos. Felizmente, Joanna volta, não por Ted, mas por Billy. A cena que a apresenta novamente é bastante interessante: ela é filmada ao fundo, enquanto o menino, encorajado pelo pai, conta uma fantasiosa história no caminho do colégio. Até então, o personagem de Dustin Hoffman intercedia constantemente as suas falas, uma impaciência que sinalizava a pouca importância que destinava pensamentos e experiências da criança. A mudança, nesta passagem, concretiza o seu processo de aprendizado, abrindo espaço para a sua luta pela custódia.

Esta marca terceiro ato, que culmina no depoimento de ambos no tribunal. Os interrogatórios conduzidos pelos advogados demonstram a podridão do processo, já que eles não se esquivam de deboches e humilhações. Neste momento, Joanna explicita verbalmente as suas razões, confirmando o que foi sutilmente construído até o momento: o sufocamento que sentia dentro do casamento, o que acarretou o seu colapso absoluto e, por sua vez, a levou a alienar um papel tão socialmente valorizado: o de mãe.

Ted, por sua vez, tem sua participação na criação do filho minimizada, o que o leva a questionar: por que seria menos apto a cuidar de uma criança? Por ser homem? A somatória das exposições de ambas as partes expõe a deturpação de uma percepção social conservadora que estabelece papéis fixos e imutáveis que, por vezes, não condizem com a realidade – o cerne de todo o drama do filme.

 

 

Encerrada a argumentação do tema, o diretor Robert Benton aposta em um final simples e elegante, um diálogo de entendimento de duas pessoas que estiveram em lados opostos durante todo o longa, mas que, finalmente, conseguem se enxergar. As qualidades da sua obra foram validadas pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas com cinco Óscares: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Atriz Coadjuvante (Meryl Streep, em seu segundo papel no cinema), Melhor Ator (Dustin Hoffman) e Melhor Roteiro Adaptado. Cabe, aqui, destacar a impressionante atuação de Justin Henry como Billy, que conseguiu imprimir uma naturalidade poucas vezes vistas em atuações infantis no cinema.

Conciso e, ao mesmo tempo pungente, “Kramer vs. Kramer” é um filme que, mesmo depois de tantos anos de lançamento, permanece relevante e, por isso, merece ser apreciado.

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 1979

Duração: 104 min

Gênero: drama

Direção: Robert Benton

Elenco: Dustin Hoffman, Meryl Streep, Justin Henry, Jane Alexander

 

Trailer:

 

 

Imagens:

 

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