Por Melissa Vassalli

Em “A gente se vê ontem”, novo filme da Netflix, CJ (Eden Duncan-Smith) e Sebastian (Dante Crichlow) são dois jovens prodígios da ciência que criam uma máquina para viajar no tempo. Primeiro longa-metragem dirigido por Stefon Bristol, a obra foi produzida por Spike Lee – vale lembrar que os dois já trabalharam juntos no premiado “Infiltrado na Klan”, onde Bristol foi assistente de Lee.

Como não poderia deixar de ser num filme que carrega a assinatura do experiente cineasta, em “A gente se vê ontem” a viagem no tempo serve como mote para discutir temas sociais relevantes, como racismo e violência policial. Se, num primeiro momento, o principal objetivo dos adolescentes era utilizar sua invenção apenas como forma de garantir bolsas de estudos nas melhores universidades, e assim mudar suas vidas e de suas famílias, as coisas mudam quando Calvin (Brian Bradley), irmão de C.J., é confundido com um assaltante e morto por um policial. Assim, os amigos decidem voltar para salvá-lo, mesmo sabendo que alterar a linha do tempo pode trazer graves consequências.

Buscando um equilíbrio entre os elementos de ficção e a dura realidade que pretende retratar, Bristol cria uma estética particular para seu filme. Visualmente, destacam-se as cores, que remetem tanto à jovialidade dos protagonistas quanto à diversidade cultural do bairro em que vivem. Já a precariedade do material com que trabalham, como o dispositivo de viagem temporal montado a partir de uma mochila, tem um ar lúdico, assim como os efeitos especiais, que não possuem sofisticação.

O resultado final não é realista, porém é convincente, pois serve à narrativa estabelecida. C.J e Sebastian são estudantes do ensino médio, que desenvolveram seu experimento em uma garagem, com os recursos acessíveis. Além disso, a estética adotada também reforça a ideia de que a viagem em si não é mais importante que o contexto em que os personagens estão e as injustiças as quais eles são submetidos.

Tendo que lidar primeiro com algumas limitações – inicialmente os adolescentes só podem retornar ao dia anterior, por um intervalo de dez minutos – a cada nova viagem alguma complexidade é adicionada. O filme segue uma estrutura cíclica, com os personagens reescrevendo a história diversas vezes, o que serve também como metáfora para a vivência dos grupos marginalizados: mesmo com muito esforço é difícil quebrar a lógica imposta pelo sistema e construir uma nova realidade.

Bristol tem o cuidado de representar essa estrutura visualmente também, através de movimentos de câmera circulares e discos, relógios e outros objetos que giram em cena, construindo uma simbologia importante.

O diretor falha apenas no desenvolvimento de alguns personagens secundários, que poderiam dar um subsídio melhor ao drama vivido pelos três jovens. Já C.J., embora pareça ter ações contraditórias (ela é inteligente a ponto de inventar uma máquina do tempo, mas se deixa levar por provocações infantis) caminha para o amadurecimento ao longo da jornada. Ainda que o final aberto gere certa frustração, é o que aponta o seu desenvolvimento, pois a garota parece finalmente ter entendido o que precisa fazer, uma ação de significado poderoso: continuar sempre em frente, sempre lutando.

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 87 min

Gênero: ficção científica

Diretor: Stefon Bristol

Elenco: Eden Duncan-Smith, Danté Crichlow, Brian Bradley

Avaliação do Filme

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