Por Luciana Ramos

 

Elvis Mitchell cresceu encantado pelo cinema. A profusão de imagem e som em narrativas comoventes o faziam sonhar, mas sua avó fazia questão de chamar a sua atenção para alguns recortes sociais importantes, resumidos em perguntas como: o que você está vendo representa a sua realidade?

Sendo um homem negro, Elvis nem sempre viu sua raça representada de maneira respeitosa nas telonas. Já adulto, dedicou-se ao estudo do cinema, atrelando-o sempre a um viés racial, que expôs em teor gritante como a sétima arte reproduz o racismo estrutural e, assim, o ajuda a perpetrar. Como em outras esferas da sociedade, também é espaço de luta e conquista – nomes como Oscar Micheaux, Spike Lee, Samuel L. Jackson, Lena Horne, Sidney Poitier e tantos outros talentos que ajudaram a construir símbolos culturais potentes.

Assim, a história do cinema americano é dialética por natureza, uma constante contraposição de forças que parece ter explodido em criatividade e influência nos anos 70, no compilado de filmes que hoje é referido como blaxploitation. O termo, conforme observado no documentário “A História do Cinema Negro nos EUA” (uma tradução engessada de “Is That Black Enough for You?”), suscita validos debates, mas o foco do documentário não é uma discussão semiótica: trata-se de um mergulho riquíssimo na produção cinematográfica negra entre 1968 e 1978, analisando-se o conjunto de obras cronologicamente.

Estabelecem-se paralelos entre os longas, análises sobre a influência cultural de cada um e traços característicos do movimento, como a transposição de histórias já conhecidas para a realidade afro-americano. A narração de Mitchell, crítico e historiador, é, ao mesmo tempo, racional e emocional, já que transita entre discussões analíticas e a exaltação pessoal dessa década na sua formação pessoal.

Sua visão é complementada por uma série de entrevistas, tanto com criadores desses filmes, como nomes de excelência negra que vieram posteriormente, de Whoopi Goldberg a Zendaya. Nesse panorama, fica clara a construção do cinema também no campo dos sonhos e, por isso, na importância da representatividade. Em uma passagem interessante, Samuel L. Jackson discorre sobre como cresceu assistindo representações racistas nas telas e, mesmo tendo alguma consciência da periculosidade dessas obras, ainda ansiava enquanto criança em ser “como eles”. Recortes sobre representações no Western ou mesmo como a imagem de Poitier foi se moldando com o tempo propõem reflexões extremamente interessantes.

Engana-se, no entanto, quem acha que a produção da Netflix é professoral. O filme reflete a empolgação de seu criador em revisitar os filmes do Blaxploitation e estes, por sinal, são divertidos, melódicos, esteticamente ricos – um prato cheio para cinéfilos que desejam aprender mais sobre a representação negra no cinema americano.

Ficha Técnica

Ano: 2022

Duração: 2h 15 min

Gênero: documentário

Direção: Elvis Mitchell

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