Por Luciana Ramos

 

Em 1984, a Nike parecia estagnada. As vendas caiam e a marca perdia relevância, ecoando na baixa de ações da empresa. Conhecida pelos tênis de corrida, a empresa perdia apelo midiático por não conseguir competir no mesmo patamar com Adidas e Converse pelo patrocínio de atletas da NBA.

Essa confluência de fatores negativos, potencializados pelo burburinho do fechamento do setor na empresa, levou o executivo Sonny Vaccaro (Matt Damon) a sondar novas estratégias de marketing. Um misto de impetuosidade e profunda crença no talento de Michael Jordan, um novato que acabara de ser contratado pelo Chicago Bulls, o fez apostar todo o orçamento da divisão na sua contratação. Só havia um problema: o jogador não estava nem um pouco interessado na marca. Ao contrário, parecia desdenhar da Nike, consciente da sua falta de apelo comercial.

Iniciava-se, assim, uma batalha em duas frentes. De um lado, Sonny tentava convencer o CEO Phil Knight (Ben Affleck) e seus colegas da validade do seu plano; de outro, visava conquistar Deloris (Viola Davis), mãe de Jordan e responsável pelas suas negociações. Ela mesclava respeito com uma leve indisposição a ser bajulada que, enaltecida pela convicção do valor de seu filho, a transformou em uma peça tão importante quanto implacável.

“Air: A História Por Trás do Logo” transita entre os diálogos que culminaram em uma das maiores parcerias entre um atleta e uma marca – em 1997, a Nike criou uma divisão dedicada ao Air Jordan, tamanha era a importância desse produto na receita da empresa.

A trama do filme, escrita por Alex Convery, não mira tão longe, atendo-se aos eventos percussores do contrato, embebidos com certa sentimentalidade. Conforme tantos outros títulos baseados em fatos, busca a todo momento sobrepor a falta de mistério (afinal, todos embarcamos na projeção já com ciência do final) com leveza, apelo nostálgico e química entre os atores. Notadamente, o roteiro não é o que vale o ingresso, já que inúmeros obstáculos são rapidamente contornados ou apenas citados em diálogos empresariais – como o embate com a NBA sobre a cor do tênis. Outros aspectos, como a rivalidade entre empresas, são citados a partir de um viés pouco crítico.

Além da óbvia propaganda a Nike, o filme também demonstra bastante reverência a Jordan. A todo tempo, o seu talento único é exaltado por Sonny ou Deloris. Porém, foi exatamente essa admiração que levou o diretor Ben Affleck a não o inserir na trama como um personagem completo, mas como uma sombra que paira entre negociações. Essa decisão possui um efeito um tanto estranho, pois gera uma inevitável desconexão. Embora Viola Davis faça (como sempre) um excelente trabalho em conceder tridimensionalidade a sua personagem, sente-se falta da voz de Michael, um jovem atleta negro prestes a entrar na elite do basquete, perante todos os acontecimentos. 

Em contrapartida, o longa sabe dosar muito bem elementos dramáticos e cômicos, apostando no talento do seu elenco para construir ótimas sequências. As diferenças de abordagens dos atores ao material são exaltadas pela direção de Affleck: enquanto ele encarna o tipo estranho de Knight, zen e ambicioso em iguais proporções, Jason Bateman aposta na condução frenética dos diálogos, sempre com um ar levemente sarcástico. Já Chris Tucker reforça o seu talento para desenvolver tipos cômicos e é contraposto à persona séria de Damon – um tipo que ele sabe executar muito bem.

A interação entre eles rende as melhores cenas, destacando-se uma conversa absurdamente hilária de telefone entre Damon e Chris Messina, que atua como agente de Jordan. Cada ator revela-se afiado e bastante consciente de que notas tocar para enaltecer o potencial do texto, tornando a produção leve e agradável.

Outro nítido apelo é o visual oitentista, trabalhado aos mínimos detalhes pelo designer de produção François Audouy (“Ford vs Ferrari”). Os computadores, telefones e outros itens da época são conectados por ambientes tão grandiosos quanto cafonas – de placas em neon ao excesso de forros amadeirados – que captam os olhos do espectador a todo instante. A trilha sonora caminha no mesmo sentido, embora seja usada em excesso em algumas passagens.

Ao final, o longa não resiste a inclusão de um discurso engrandecedor, justaposto a cenas de arquivo que relembram a sinuosa trajetória de Jordan, ainda que foque na sua excelência. É o tipo de armadilha retórica que joga a produção em um campo seguro, porém mediano. Ainda assim, é uma história cativante o suficiente para render uma ótima experiência no cinema.

Ficha Técnica

Ano: 2023

Duração: 1h 52 min

Gênero: drama

Direção: Ben Affleck

Elenco: Matt Damon, Jason Bateman, Ben Affleck, Chris Messina, Viola Davis, Chris Tucker

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