Por Luciana Ramos
Ao ser lançado, “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll, imediatamente chamou a atenção do grande público pela forma despretensiosa com que brincava com formas literárias para explorar a infinidade da imaginação infantil. “Através do Espelho e o que Alice Encontrou por Lá” deu seguimento ao tema, explorando a capacidade criativa que a pequena protagonista tinha de transformar um dia enfadonho em palco de aventuras numa terra mágica, sempre cercada por seres pouco convencionais.
Em 2010, a adaptação cinematográfica do primeiro livro, dirigido por Tim Burton, esvaziou toda a premissa do trabalho de Carroll por não saber explorar sua potencialidade, transformando os eventos principais em pano de fundo para uma trama sem graça envolvendo as duas Rainhas do País das Maravilhas. Como se não bastasse, ainda delineou a protagonista como uma moça casamenteira cuja a epifania no mundo mágico a livra das obrigações da realidade.
O longa, apesar de altíssima arrecadação nas bilheterias, sofreu com as críticas especializadas e comentários de uma parcela dos espectadores mas, como prova de que Hollywood atenta-se muito mais aos números, ganhou uma sequência. Esta afastou-se ainda mais do sentido dos livros, do qual usa quase tão somente seu título: os personagens dessa trama foram substituídos pelos já conhecidos Chapeleiro Maluco, Rainha Vermelha, Rainha Branca, entre outros, uma clara indicação da subestimação do público e sua capacidade de empatia.
Alice (Mia Wasikowska) também sofreu por mais uma transformação. Agora capitã de um navio, ela descobre ao chegar em terra que a saúde financeira do seu empreendimento e da sua família estão em perigo graças a uma jogada do seu ex-noivo Hamish (Leo Bill). Sem alternativas, ela encontra uma escapatória no espelho mágico da casa do rapaz, o qual mergulha para voltar ao País das Maravilhas.
Lá, encontra um Chapeleiro (Johnny Depp) deprimido pelo fato de seus amigos não acreditarem que sua família está viva. Ele clama pela ajuda de sua amiga para encontra-los. A Rainha Branca (Anne Hathaway), então, tem uma grande ideia: Alice deve invadir a casa do Tempo (Sacha Baron Cohen) e roubar a cronosfera – um artefato que guarda as memórias temporais – retornar ao dia em que supostamente foram mortos e descobrir o que de fato aconteceu.
Pondo em risco o continuum espaço-tempo e, portanto, a todos que conhece para levantar os ânimos de seu amigo, Alice aceita a proposta. Com isso, arranja um novo antagonista, o Tempo, preocupado (com razão) pelas consequências de tal ato e ansioso por impedir o sucesso da empreitada a todo custo.
A protagonista embarca pelo passado, descobrindo no caminho as histórias de origem do Chapeleiro, da Rainha Vermelha (Helena Boham Carter) e da Rainha Branca. Ainda que responda perguntas que ninguém fez, algumas dessas passagens conseguem produzir sequências interessantes. Caso estivessem coesas, estas poderiam dar vazão a um filme interessante. No entanto, não há esforço dessa natureza no roteiro de “Alice Através do Espelho”, que prefere optar em uma trama desprovida de profundidade onde os conflitos são resolvidos de maneira rápida, fácil e completamente descabida de sentido.
Tal movimento é reforçado pelo excesso de didatismo dos diálogos, que insistem em explicar o que já está sendo mostrado visualmente. Há ainda a construção de rimas pobres (como a que envolve a profissão de Alice e o modo de navegação da cronosfera) e problemas de credibilidade decorrentes da escolha de um espelho na casa de Hamish como objeto para transposição ao mundo mágico.
Em contraponto à “Alice no País das Maravilhas”, dirigido por Tim Burton, que sobrepunha os problemas de roteiro a um visual imponente e bem trabalhado, o novo longa não consegue criar apelo estético duradouro. Nas mãos de James Bobin, nem mesmo o uso excessivo de CGI é capaz de conceder a aura característica das histórias envolvendo a personagem Alice.
Todos esses elementos, quando unidos, resultam em um longa chato, incapaz de despertar o interesse: um filme sobre a urgência do tempo que, ironicamente, mostra-se incrivelmente arrastado. Cabe esperarmos os resultados de bilheteria para descobrirmos se haverá mais uma produção sobre Alice. Espero que não.
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 113 min
Nacionalidade: EUA
Gênero: aventura, família, fantasia
Elenco: Johnny Depp, Mia Wasikowska, Helena Boham Carter, Anne Hathaway
Diretor: James Bobin
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