Por Luciana Ramos

A busca por narrativas mais diversas tem levado produtoras e estúdios a investirem em filmes que representem paixões de diferentes configurações amorosas, um importantíssimo respiro em meio à ainda preponderante massa de produtos de perfil conservador que perfilam as gôndolas cinematográficas.

No entanto, em termos de ideias já se nota uma certa exaustão de alguns temas, como o romance proibido entre mulheres em séculos passados. Ainda que tais narrativas sirvam para elucidar contextos sociais e políticos de coerção feminina – e, por isso, tenham o seu valor – também representam um certo engessamento, vide que atrelam a ideia do romance feminino a constrições e impossibilidades. Entre o aclamado “Retrato de Uma Jovem em Chamas” e o ousado “Colette”, põem-se longas como os recém-lançados “Um Fascinante Novo Mundo” e “Ammonite”.

Escrito e dirigido pelo britânico Francis Lee, este explora o amor entre uma figura histórica, a caçadora de fósseis Mary Anning (Kate Winslet), e uma jovem com depressão (Saoirse Ronan) que é levada a cidade de Lyme a fim de curar-se, submetendo-se, para isso, a “terapias” inglórias. A aproximação das duas é feita pelo marido de Charlotte (James McArdle), que se diz cientista (sem entender muito) e paga um bom dinheiro à escavadora para que ela lhe ensine os pormenores da profissão. Após pouco tempo, ele segue com sua expedição e decide que o melhor a se fazer é deixar a esposa para trás, usando como desculpa a importância de ela também passar um tempo sob tutela de Mary.

A interação entre as duas é ríspida de início, muito por causa da sisudez excessiva da cientista, um misto de falta de traquejo social e desconfiança bem fundamentada. Supostamente aclamada por suas descobertas de raros fósseis – conforme o Sr. Murchison mesmo pontua em sua primeira interação – ela se vê obrigada a vender os achados a homens ricos que os expõem em ambientes acadêmicos ou museus sob seus nomes. Já Charlotte, seu contraponto social, também sofre pela falta de autonomia e vê o marido como uma figura controladora a quem não pode desobedecer.

Ao traçar tais paralelos, o longa perpassa o romance para se dedicar a discutir o papel das duas mulheres e revela sua melhor faceta. Neste sentido, o ponto alto é a aparição do médico Lieberson (Alec Secareanu), que decide ser a obrigação de Mary cuidar da enfermidade de Charlote por “ser mulher” – mesmo em situação financeira difícil, que acrescentaria visíveis empecilhos ao seu sustento. Mais tarde, por orgulhar-se do trabalho feito pela cientista, ele interliga a sua característica cuidadora a de uma “boa” esposa, passando a cortejá-la e escancarando, assim, os critérios e julgamentos dispensados às figuras femininas, enquadradas em estereótipos instransponíveis.

Neste cenário, Mary revela-se complexa por abarcar as inseguranças da alguém à margem da elite, mas que tampouco se furta de fazer o que ama por causa dos outros. Em meio à areia molhada, ela se suja em busca de novas descobertas e, sozinha, faz todo o trabalho de limpeza do material, abstendo-se de preocupações fúteis sobre sua aparência ou comportamento. Ainda assim, quando colocada em ambiente constrito, como é o caso da cena do recital, não sabe como agir e fica visivelmente perturbada.

O sentimento é potencializado ao ver que Charlotte parece se sentir à vontade e fazer amizade com Elizabeth Pilpot (Fiona Shaw), com quem teve uma ligação. Neste momento, Kate Winslet consegue enfim explorar Mary (até então em roupagem tão formal e contida) e extravasar através do olhar a inquietude, os ciúmes, o impulso e a retração que sente pela jovem que acolheu. A sua brilhante atuação transforma nesta a melhor cena do longa de Lee que, infelizmente, não consegue ousar sair do lugar comum.

A exploração do tema por parte do diretor é tão formal quanto suas personagens, apostando em repetições temáticas e um caminhar excessivamente vagaroso. Quando enfim aposta na explosão romântica, o faz sem grandes arroubos estéticos ou mesmo catárticos, tornando a jornada das duas mulheres pouco satisfatória. Tal sentimento é confirmado na sequência final, que parece desconexa das demais por não ter sido bem preparada.

Diante de outras ótimas produções de mesmo tema, “Ammonite” parece um tanto comum e genérico, um esforço perdido dos talentos de Winslet e Ronan, que não conseguem catapultar a obra a um lugar mais interessante.

Ficha Técnica

Ano: 2021

Duração: biografia, drama, romance

Gênero: drama

Direção: Francis Lee

Elenco: Kate Winslet, Saoirse Ronan, Gemma Jones, Fiona Shaw, Alec Secareanu, James McArdle

Avaliação do Filme

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