Por Luciana Ramos

 

Nas bocas dos transeuntes das avenidas paulistanas são constantes as reclamações sobre o trânsito, a escassez do tempo, a poluição e ausência de beleza natural. Diante de um perfil tão pouco lisonjeiro e coletivista, em algum ponto a seguinte pergunta foi disseminada: Mas afinal, existe amor em São Paulo?

A busca pela resposta e pela prova de que a metrópole possui símbolos positivos ocasionou o surgimento de diversos movimentos que tem em comum a proposta de um novo tipo de ocupação urbana. Esta, por sua vez, desemboca em um modo de viver mais saudável, pautado no reforço dos laços interpessoais.

É através de tal pensamento que surge “Amor em Sampa”. Assim como os filmes “Onde está a felicidade?” e “Signos da Cidade”, o projeto nasce da colaboração entre a atriz e roteirista Bruna Lombardi e o seu marido, o também ator e diretor Carlos Alberto Riccelli, que dessa vez divide a última função com o filho do casal, Kim Riccelli.

 

Concebido como um musical, o longa começa com o taxista Cosmo (Carlos Alberto Riccelli) apresentando ao espectador os chavões comumente relacionados à metrópole, ao mesmo tempo que chama a atenção para as suas pequenas belezas escondidas. O seu olhar aguçado chama a atenção de Mauro (Rodrigo Lombardi), publicitário de grande nome, que o contata para gravar depoimentos de passageiros sobre o que São Paulo tem a oferecer de bom. Com as gravações em mãos, este deseja lançar uma campanha que proporcione um novo olhar para a cidade, mudando assim o modo de seus habitantes se relacionarem com ela.

amor em sampa 7

Intercalados a essa trama surgem outros diversos personagens, cada um dotado de um conflito pessoal. A união destes compõe a narrativa, fragmentada e plural, cujo objetivo é oferecer um panorama amplo sobre o tema abordado. É com o desenrolar dessa dinâmica que surge o problema mais grave de “Amor em Sampa”.

 

O filme, rico em abordagem na sua sequência inicial, é subitamente tomado de estereótipos, artifício narrativo extremamente recorrente no cinema brasileiro. Entre eles estão o gay enrustido (Marcello Airoldi), a moça humilde que quer arranjar um marido cheio de dinheiro (Miá Mello) e a mulher rica que olha a cidade pelo alto de um arranha-céu (Bruna Lombardi).

A caricatura é predominante no delineamentos de todos eles o que, por sua vez, impede qualquer aprofundamento narrativo das situações apresentadas. Os personagens de Miá Mello e Tiago Abravanel sofrem em especial desse problema. Ainda pior é a tentativa de caracterizar o mundo de riquezas de Aniz (Bruna Lombardi). Os cavalos, o champanhe, o apartamento pintado de dourado e os eventos de gala não passam de construções pobres que em momento algum são abandonadas ou desconstruídas.

Desse modo, a interessante discussão das primeiras cenas fica relegada à segundo plano, aparecendo de maneira pouco abrangente no discurso de Mauro. Quando retomada, bem ao final, não possui mais o impacto inicial e o sentimento restante é que o propósito do filme foi perdido.

Porém, cabe salientar que o roteiro também acerta em alguns pontos. Entre os destaques estão algumas piadas bem sacadas e encaixadas ao contexto, os depoimentos cheios de verdade e a subtrama envolvendo Mauro e Tutti (Mariana Lima), que oferece um pouco mais de sofisticação e poesia ao longa.

Já a opção de gênero, ainda que cause estranhamento de início, é superada aos poucos dada a qualidade das músicas em geral. A adoção do formato musical, incutido naturalmente no meio das ações dos personagens, releva-se interessante de modo geral. Contudo, é possível notar uma dissonância importante em algumas cenas onde o ritmo excessivamente carnavalesco não combina com o que está sendo mostrado na tela.

 

Do ponto de vista estético, a adoção de uma câmera em constante movimento para enfatizar o espírito dinâmico da cidade tem um resultado irregular, visto que em certos momentos priva o espectador de captar expressões dos atores, o que atrapalha na apreciação completa da obra.

Assim, “Amor em Sampa” acaba desperdiçando a oportunidade de promover um debate construtivo ao tentar agradar a qualquer custo. Uma pena. Ainda assim, é possível extrair do filme a vontade de experimentar a cidade, seja ela São Paulo ou qualquer outra, de uma forma diferente, mais prazerosa, atentando-se às pessoas que nos cercam e aos símbolos positivos espalhados pelos bairros. Pode sim existir amor em São Paulo.

 

Ficha técnica amor em sampa poster


Ano:
 2016

Duração: 120 min

Nacionalidade: Brasil

Gênero: musical, comédia, romance

Elenco: Bruna Lombardi, Rodrigo Lombardi, Eduardo Moscovis, Mariana Lima, Tiago Abravanel, Miá Mello, Marcello Airoldi, Kim Riccelli, Letícia Colin, Bianca Müller e Carlos Alberto Riccelli.

Diretor: Carlos Albert Riccelli e Kim Riccelli

 

Trailer:

 

Imagens:

Fonte das imagens: Divulgação

Avaliação do Filme

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