Por Luciana Ramos

O lançamento de “Harry Potter e a Pedra Filosofal” em meados de 1997 inaugurou um fenômeno cultural cuja força impõe-se até hoje, quase vinte anos depois. Considerado por uns como o responsável por conduzir os millenials ao hábito da leitura, exaltado por outros como um inesgotável exercício de imaginação, a saga de J.K. Rowling conquistou sucesso mundial e o seu protagonista tornou-se um nome de apelo popular.

A adaptação cinematográfica foi um desdobramento esperado e o imenso sucesso dos sete filmes confirmou a relevância da obra no espectro cultural. Cinco anos após o lançamento do último longa, “Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte II”, chega aos cinemas uma nova trama, extensão do universo mágico criado por Rowling, que se propõe a voltar 70 anos no tempo afim de contar a história de um bruxo cativante e um tanto ingênuo – e os animais fantásticos que guarda em uma maleta de couro.

 

A década retratada é a de vinte, mais especificamente o seu final. A secura social, fruto do colapso financeiro de 1929, é marcado pelo excesso de cinzas e marrons – paleta que permeará todo o longa – e austeridade dos discursos. Em uma demonstração de habilidade artística, a autora insere um clima de apreensão na trama, fomentada por discursos extremistas que visam culpar um segmento minoritário da sociedade como causa da decadência, clamando assim sua extinção. Mais que a vazão para o desenvolvimento da nova saga, atua como reflexão sobre o crescimento de movimentos ultranacionalistas e xenofóbicos ao redor do mundo nos dias de hoje.

animais fantasticos 1

Assim, os bruxos são obrigados a esconderem suas habilidades em prol da sobrevivência. A segurança de todos é colocado à prova, no entanto, com a chegada de Newt Scamander, um magizoologista que acidentalmente deixa os animais dotados de poderes que toma conta escaparem. Tina (Katharine Waterston), testemunha do ocorrido, alerta-o sobre os perigos da aparição de tais seres e propõe-se a ajuda-lo, auxiliada pela irmã Queenie (Alison Sudol) e o “trouxa” Kowalski (Dan Fogler). Paralelamente, a iminência de um ataque do poderoso bruxo Grindewald deixa a todos da MACUSA, Congresso dos bruxos, apreensivos.

 

A ameaça do mau uso da magia como catalisadora da extinção de toda uma classe de bruxos é o cerne principal da nova saga, claramente o caminho narrativo a ser desenrolado nas futuras continuações. Porém, Rowling, ciente do que torna suas histórias apelativas, relega este arco a um segundo plano, entregando-se muito mais ao processo de captura dos seres perdidos. Sem dúvidas mais interessantes e graciosas, estas passagens atraem os espectadores ao espetáculo esperado, mas frustra-os de um desenvolvimento mais maduro do tema, deixando-os carentes de elementos que o façam se entregar por completo.

A redenção da narrativa vem através do investimento em efeitos visuais, utilizados em abundância. Muito bem elaborados, justificam o uso do 3D e oferecem de fornecer o encantamento característico do universo Potter. Ainda assim, não consegue se livrar da plasticidade em alguns momentos, muito por conta do claro desconforto de Eddie Redmayne em atuar com um fundo verde.

 

O ator atua de forma imprecisa por todo o filme, oscilando seu investimento emocional e tornando assim o seu protagonista um elemento menos identificável, embora carismático. O mesmo estende-se à Katharine Waterston, que retrata Tina de forma plana. Assim, o apelo junto ao público fica por conta dos personagens de Alison Sudol e Dan Fogler, que sabem unir humor e sensibilidade na construção de personas amáveis e multidimensionais.

Entre erros e acertos, “Animais Fantásticos e Onde Habitam” satisfaz as ansiedades da geração que cresceu imersa no universo Harry Potter, contentando-se ao papel de um produto derivado inferior. Encantador pela magia que impõe mais uma vez nas telas de cinema, sofre um pouco com o roteiro, mas regozija-se na esperança de um maior desenvolvimento do tema nas já prometidas sequências.

 

 

Ficha técnica animais fantasticos poster


Ano:
 2016

Duração: 133 min

Nacionalidade: EUA, Grã-Bretanha

Gênero: aventura, fantasia

Elenco: Eddie Redmayne, Katherine Waterston, Alison Sudol, Dan Fogler

Diretor: David Yates

 

Trailer:

 

 

 

Imagens:

Avaliação do Filme

Veja Também:

Guerra Civil

Por Luciana Ramos   No fascinante e incômodo “Guerra Civil”, Alex Garland compõe uma distopia bastante palpável, delineada nos extremos...

LEIA MAIS

A Paixão Segundo G.H.

Por Luciana Ramos   Publicado em 1964, “A Paixão Segundo G.H.” foi há muito considerado um livro inadaptável, dado o...

LEIA MAIS

O Menino e a Garça

Por Luciana Ramos   Aos 83 anos, Hayao Miyazaki retorna da aposentadoria com um dos seus filmes mais pessoais. Resvalando...

LEIA MAIS