Por Luciana Ramos
Michael Stone (voz de David Thewlis) viaja até Cincinnati para dar uma palestra. Autor de um livro sobre maximização do atendimento ao cliente, é bem-sucedido mas claramente infeliz e carrancudo.
Sentindo-se sufocado por um vazio que não o deixa, decide ligar para a ex-namorada que não vê há 11 anos. O encontro é recheado de mágoas e ressentimentos mas desencadeia uma série de eventos que faz com que o protagonista conheça um novo interesse romântico: Lisa (voz de Jennifer Jason Leigh).
Verborrágica por natureza, o que a deixa muitas vezes sem jeito, a estranha Lisa capta a atenção do protagonista por se destacar da massa amorfa de gente com que cruza: ela é claramente diferente, uma anomalia, uma “Anomalisa”.
Assim, conforme o contato entre os dois vai se intensificando e ambos revelam suas particularidades, Michael tem a clara certeza de estar vivendo uma experiência extraordinária. Consequentemente, entra em um debate interno entre seus desejos não concretizados e novas possibilidades. Para isso, utiliza a sua percepção da realidade, em constante movimento, como instrumento de reflexão.
O novo filme de Charlie Kaufman, responsável por escrever os notáveis “Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças”, “Quero Ser John Malkovich” e “Adaptação”, carrega a sua identidade artística. Embora divida a direção com Duke Johnson, “Anomalisa” segue a predileção de Kaufman em abordar conflitos inerentes ao ser humano por meio de reflexões melancólicas que, neste caso, se revelam em uma trama aparentemente banal: são conversas sem propósito trocadas com o taxista, ao telefone com a família ou ao pé do ouvido com um estranho que ganham profundidade não somente pelo que é dito mas pelas palavras omitidas e gestos ocasionais.
Nesses fragmentos de realidade, Kaufman apresenta seus questionamentos: seria o encontro de uma pessoa autêntica num mundo pasteurizado a chave para libertação? Quais detalhes marcam essas diferenças? O que é de fato autêntico? O que é, na verdade, ser humano?
A narrativa complexa ganha contornos interessantes pelo uso da animação em stop-motion. Há um cuidado aparente na riqueza de detalhes dos “cenários”, o que torna o longa visualmente interessante. Em complemento, há uma certa dose de estranheza em todo o filme, seja pelo molde do rosto dos personagens, o fato do ator Tom Noonan dublar a maior parte deles ou uma passagem que lembra muito “Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças”. Propositalmente encaixados, esses detalhes, quando observados de perto, servem para enaltecer a discussão proposta.
Uma animação que de início aparenta tratar de um dia qualquer na vida de um homem sem graça, “Anomalisa” ganha densidade nas mãos de seu criador, Charlie Kaufman. Candidato ao Oscar de Melhor Animação, debate a condição humana com bastante propriedade. Triste em essência, merece ser visto pela qualidade dos trabalhos narrativo e técnico.
Ano: 2015
Duração: 90 min
Nacionalidade: EUA
Gênero: animação
Elenco: David Thewlis, Jennifer Jason Leigh, Tom Noonan
Diretor: Charlie Kaufman, Duke Johnson
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