Parece longínquo o tempo em que, para assistir um filme, devia-se comprar um ingresso de cinema com antecedência ou alugá-lo em uma loja especializada; no caso de séries, devia-se esperar o horário específico de sua exibição. Essa fase do entretenimento foi devidamente soterrada com a entrada da Netflix do mercado. Para os que desejam, é perfeitamente possível vivenciar um filme no cinema ou esperar pela série favorita passar na TV (aluguéis tem se tornado impossíveis), mas a real mudança sendo discutida aqui é a de modelo de negócio e, consequentemente, de consumo.
A nova era foi apelidada pelos americanos de “peak TV”, ou TV escolhida a dedo, onde cabe ao espectador consumir o que deseja quando quiser com apenas um clique. Como em todo negócio, a inovação da Netflix não se mostrou sustentável ao longo prazo: logo surgiram inúmeras plataformas de streaming concorrentes. Prevendo esse movimento de mercado, a empresa chocou há alguns anos ao anunciar que iria se desfazer de parte de seu catálogo para focar em conteúdos originais.
A empreitada teve um sucesso estrondoso, firmando produções como “House of Cards”, “Orange is the New Black” e, recentemente, “Stranger Things” no vocabulário popular. Porém, o inchaço do número de conteúdos levou ao recente cancelamento de várias produções, revelando certa instabilidade na parte criativa da empresa – a última vítima, “Gypsy”, foi cancelada apenas um mês após sua estreia.
Concomitantemente a esse processo de posicionamento, a Netflix se viu ameaçada por outro serviço que ganhou projeção em pouco tempo, a Amazon Prime TV. Sua estratégia diferencia-se um pouco da anterior por preocupar-se mais em atender os interesses dos antigos gigantes da indústria. Assim, prefere comprar filmes finalizados para distribuí-los primeiro nos cinemas e depois, respeitando uma ampla janela de exibição, estreia-los em sua plataforma. No campo das séries, depende muito da expertise de Jill Solloway, que conquistou respeitabilidade com “Transparent” e, recentemente, “I Love Dick”. No último mês, lançou sua primeira empreitada original de alto custo, a série “The Last Tycoon”, baseada livremente em romance de F. Scott Fitzgerald e passada nos tempos áureos de Hollywood.
A Hulu tinha se estabelecido como uma player menor até pagar um montante altíssimo (160 milhões de dólares) pelo catálogo de 180 episódios de “Seinfeld”, marco da época em que todos se juntavam no sofá para assistir a mesma coisa. Agora, com “Handmaid’s Tale”, vem conquistado a crítica e pode se consagrar como uma importante plataforma se angariar Emmys suficientes.
Percebendo o valor de sua programação, a HBO jamais deixou (mesmo com muita insistência) a Netflix se apoderar das suas séries. Ao contrário, disponibilizou-as através da HBO GO a assinantes de canais a cabo e promete, em breve, lançar mundialmente o HBO NOW. No entanto, simboliza um meio-termo entre o passado e o futuro, pois não pretende focar em conteúdos originais para o streaming, mas apenas disponibilizar o que já exibe nos seus canais a cabo.
Visando o movimento da indústria de entretenimento, alguns serviços propositalmente menores e específicos foram anunciados tanto nos EUA quanto em território brasileiro. O último foi a possibilidade de assinatura do Fox Premium sem a necessidade de atrelamento a uma conta de TV a cabo: pagando-se R$29,90 a uma conta Oi Total Play, tem-se acesso a toda a cartela da emissora, incluindo “Homeland” e “The Walking Dead”.
As iniciativas dessas empresas revelam um acirramento do mercado, construção de nichos e correria por firmar-se como grande player através da excelência de conteúdos. O último passo nesse sentido foi o anúncio na semana passada da Disney, que retirará seu conteúdo da Netflix pois lançará não uma, mas duas plataformas de streaming em 2019.
A primeira será voltada para o público infantil e abarcará desde filmes a programas da Disney Channel. Já a segunda, focará nos esportes, sendo uma extensão do canal ESPN. Cabe aqui dizer que a Disney detém uma porcentagem da Hulu, voltada para seriados e filmes. Com uma entrada agressiva, as ações da Netflix despencaram algumas casas e, obviamente, acirraram a disputa. Ela logo prometeu a liberação de 75 conteúdos infantis no ano que vem, ao passo que a Amazon Prime TV anunciou a compra de todo o catálogo da rede PBS, que produz, entre outras coisas, os episódios de “Vila Sésamo”.
Ainda que seja difícil prever o futuro exato dessas empresas, pode-se aferir dois caminhos em que a competitividade será trabalhada: preço e conteúdo original. Este último dependerá amplamente da aceitação do público, da crítica e do burburinho em redes sociais. Assim, campanhas de marketing se intensificarão e a sede por ganhar prêmios que alavanquem ainda mais o nome das produções só aumentará. A batalha será longa e árdua, mas uma coisa é certa: os próximos anos serão decisivos para um crescimento ainda mais expressivo desse tipo de consumo. Nessa luta, sairão perdendo as emissoras de TV, cada vez mais abandonadas por um público atraído pelo mundo de opções excelentes dessas plataformas.