Por Murillo Trevisan

A década de 80 foi o momento que definiu exatamente o que é o Brasil e esses seres curiosos que vivem nele, chamados de brasileiros. Se hoje a internet (principalmente as redes sociais) é a terra sem lei, nos anos 80 este título pertencia aos programas de televisão e seus bastidores. Bozo, o palhaço que ganhou estrondoso sucesso nos Estados Unidos, também embarcaria nessa loucura lançando sua versão tupiniquim do programa de auditório.

 

Arlindo Barreto como Bozo

Arlindo Barreto como Bozo

A cinebiografia do palhaço, aqui recebendo o nome fictício de “Bingo”, conta a trajetória de Augusto Mendes (Vladimir Brichta), ator de pornochanchada que sonhava com grandes papéis nas novelas de horário nobre. Após ser dispensado de uma notável rede de televisão, o ator se inscreve para uma audição em uma emissora menor, onde simultaneamente também está acontecendo testes para o papel do palhaço. Com o desejo de ser orgulho para seu filho Gabriel (Cauã Martins) e fazer conteúdos que ele também possa consumir, Augusto opta pelo papel no programa infantil, que resulta em uma hilária cena, onde ele surpreende até mesmo o produtor gringo.

Porém, a audiência inicial deixa muito a desejar e Augusto procura contornar a situação dedicando-se cada vez mais ao papel, o  que o leva até a praticar um treinamento intensivo no circo, em uma bela montagem com a participação de Domingos Montagner (1962-2016) como seu palhaço mentor. Com tamanha dedicação a profissão, o ator tende a perder sua identidade por de trás da máscara e vê a relação com seu filho ficar cada vez mais distante.

Não seria absurdo dizer que Bingo é o grande papel da carreira do excelente Vladimir Brichta, que com a desistência de Wagner Moura (ocupado com as gravações da série “Narcos”), agarrou a oportunidade com unhas e dentes e deu a melhor representação do Bozo que poderíamos ter.

 

 

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A trajetória do personagem soaria até um pouco clichê se comparada a outras cinebiografias – a ascensão, fama e a queda, devido ao vício nas drogas e sexo – não fosse pelo fato de que o conteúdo produzido pelo artista tem as crianças como seu público alvo. O palhaço demoníaco obtêm o bombástico sucesso através de piadas de duplo sentido, bullying e apelo sexual, como é o caso de participação de Gretchen (Emanuelle Araújo) rebolando no programa infantil. Seu humor fica ainda mais absurdo quando Bingo coloca a música “Serão Extra”, de Dr. Silvana e Cia., e chama todas as crianças para o meio do palco e as faz cantarem o refrão “Eu fui dar mamãe” na mais pura inocência.

Como um bom retrato dos anos 80, a música não poderia deixar de ser um protagonista nessa história. Grandes clássicos como “99 Red Ballons” ou até mesmo o “Conga la Conga” te fazem viajar no tempo. A ambientação e estética também cumprem com louvor o objetivo, desde a produção de objetos da época até tomadas aéreas por São Paulo que revelam comércios que um dia dominaram o mercado, como o o extinto “Mappin” (famosa loja de departamentos).

 

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O longa é o primeiro trabalho de Daniel Rezende como diretor, esse que tem uma vasta experiência como editor, tendo montado filmes como “Cidade de Deus”, “Tropa de Elite”, “Ensaio sobre a cegueira”, “A árvore da vida” entre outros. Sua bagagem resulta em uma obra de extrema delicadeza técnica, algo especialmente notado pela precisão com que compõe planos-sequências elaborados sem nunca perder o ritmo.

“Bingo: O Rei das Manhã”, representa a essência de uma saudosa época, com todo o humor absurdo e “non sense”  que hoje são socialmente condenados. Mesclando a comédia a um tom mais reflexivo obtido pela relação entre pai e filho, o longa atinge uma complexidade ainda rara no cinema brasileiro, constantemente ofuscado por produções de humor raso.

 

Pôster

Ficha Técnica

Ano: 2017

Duração: 113 min

Gênero: cinebiografia, drama, comédia

Diretor: Daniel Rezende

Elenco: Vladimir Brichta, Leandra Leal, Tainá Müller, Emanuelle Araújo

Trailer:

Imagens:

Avaliação do Filme

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