Por Luciana Ramos
***SEM SPOILERS***
Unindo cenas de lutas bem coreografadas e exploração da densidade de cada personagem envolvido em um debate pautado em uma cisão ideológica, “Capitão América: Guerra Civil” representa um salto de qualidade no universo cinematográfico da Marvel. Denso sem mostrar-se demasiadamente sério, consegue satisfazer aos anseios do seu público mais fervoroso, entregando-lhes alto padrão de diversão ao longo de duas horas e meia.
O novo filme dos irmãos Anthony e Joe Russo baseia-se em uma das séries de maior sucesso da editora. Desenhada em 2006 e lançada em sete edições, “Guerra Civil” imediatamente ecoou no mundo das HQs não só pela qualidade artística mas também pela ousadia do seu conteúdo.
Nela, o rastro de destruição que os super-heróis deixa fomenta uma discussão pública sobre a necessidade de cercear suas ações, submetendo-as ao Governo americano. Neste intuito, eles deverão ser forçados a revelarem suas identidades e cooperarem completamente dali para a frente. Enquanto alguns, como o Capitão América, são inteiramente contra, outros, como o Homem de Ferro, posicionam-se a favor.
A transposição para as telonas, como esperado, sofreu alterações, mas manteve o cerne emocional da trama, explorando bem as motivações pessoais de cada um e, consequentemente, suas reações às limitações. Ainda que referencie a Graphic Novel no uso da morte de um garoto como gatilho para o conflito, a trama opta por embasar a rivalidade entre Capitão América (Chris Evans) e Homem de Ferro (Robert Downey Jr.) através do personagem do Soldado Invernal (Sebastian Stan). O questionamento da validade de suas ações ao longo dos anos, contrapostas ao forte elo emocional com Steve Rogers, faz com que este passe a agir na ilegalidade, em confronto direto com as ordens do Estado. Assim, trava-se uma batalha que inevitavelmente acarretará em um confronto direto entre super-heróis, forçando-os a não medir esforços para combater aqueles que já foram seus aliados.
Desse modo, a trama caminha de forma interessante entre os dois lados da moeda, sem nunca pender para um como a verdade absoluta. Muito mais pautado na visão de mundo de cada um, acerta ao tom por ater sua narrativa à conexão do espectador com cada personagem e sua própria reflexão sobre o certo e o errado.
Em contraponto, peca em termos gerais na escolha do seu vilão, o Barão Zemo (Daniel Brühl), por fazê-lo parecer aquém do seu papel. A sua pouca expressividade torna em certo ponto o elo narrativo frágil, mas tal movimento é facilmente suprimido pelo bom desenvolvimento das subtramas, destacando-se o envolvimento de cada personagem na mesma, como já destacado acima.
Nesse sentido, vale ressaltar a aparição de dois novos heróis que são explorados satisfatoriamente sem a necessidade de submissão à histórias de origem. Primeiramente, há o Pantera Negra (Chadwick Boseman), cuja solenidade justificada é sobrepujada pelas habilidades físicas surpreendentes. Já o Homem-Aranha, extremamente aguardado, cativa pela sua personalidade, servindo de alívio cômico diversas vezes com destreza e naturalidade por Tom Holland.
Quanto aos heróis já apresentados em produções anteriores, destaca-se o Homem-Formiga, não só por sua relevância como também pelo talento cômico de Paul Rudd, que inevitavelmente rouba a cena.
Ainda que condense uma trama mais complexa, “Capitão América: Guerra Civil” não deixa de ser uma diversão pipoca. Assim, a leveza característica dos filmes da Marvel é mantida em piadas pontuais e precisas. Ademais, como não poderia faltar, as cenas de confronto entre os dois lados são fartas e bem integradas, sejam elas em menor escala, do Pantera Negra contra o Bucky, por exemplo, ou no grande confronto em um aeroporto abandonado.
Esta última revela-se uma excelente sequência pela sua concepção: aos desejados planos de conjunto, enquadrando todos os envolvidos, são costurados outros, que exploram a inteligência, força e habilidade natural de cada um, provocando uma cadeia de reações que naturalmente causa uma destruição massiva do ambiente. Cabe ressaltar que a cada um é designado um espaço de tela satisfatório, sem transformar nenhum deles em mero acessório.
Nesse ponto, o filme revela-se verdadeiramente um serviço aos fãs, sem nunca esquecer do seu sentido: com uma trama que se vale de tudo o que já foi construído no universo cinematográfico da Marvel para embasar sua discussão, consegue proporcionar entretenimento de qualidade.
Ainda que peque um pouco pela fraqueza do seu vilão (algo que pode ser remediado com sua aparição em filmes futuros), consegue acertar o tom perfeitamente no foco do dilema ideológico abordado, sem nunca proferir verdades assertivas. Dessa forma, “Capitão América: Guerra Civil” configura-se como um dos melhores filmes da Marvel, sinal de amadurecimento que eleva as expectativas para projetos futuros. Em ultima instância, supre tão bem ao seu papel de entretenimento que nos faz querer assisti-lo mais vezes.
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 147 min
Nacionalidade: EUA
Gênero: ação, aventura, ficção científica
Elenco: Chris Evans, Robert Downey Jr., Scarlett Johansson, Sebastian Stan, Anthony Mackie, Don Cheadle, Jeremy Renner, Chadwick Boseman, Paul Bettany, Elizabeth Olsen, Paul Rudd, Emily Vancamp, Tom Holland, Daniel Brühl
Diretor: Anthony Russo, Joe Russo
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