Por Marina Lordelo

 

Serra do Ramalho é uma cidade que foi colonizada por ribeirinhos desapropriados durante a construção da barragem de Sobradinho, no estado da Bahia, década de 1970. Movidos por esse interesse, os diretores Cláudio Marques e Marília Hughes apostaram na locação que transpira história para rodar seu novo filme “A Cidade do Futuro”, que traz já no título a sensibilidade de seus realizadores.

Apostando na espontaneidade dos moradores locais que emerge na naturalidade das atuações e das locações escolhidas, como escolas, currais, supermercado, descampados e casas dos personagens, Marques e Hughes apresentam um contraponto na dureza do discurso dos desapropriados – a história de Milla (Milla Suzart), Gilmar (Gilmar Araújo) e Igor (Igor Santos), um relacionamento poliamor que encontra uma série preconceitos e restrições de seus conterrâneos.

 

 

 

 

Com perspicácia, os realizadores apresentam a (triste) clandestinidade dos relacionamentos homoafetivos em cidades do interior, sujeitos a cavernas, becos escuros e locais afastados. Mas se há incompreensão da comunidade e não aceitação da liberdade de amar, ainda que sintam e sofram com isso, os três personagens são maduros e respeitosos um com o outro. A narrativa se transforma então em uma espécie de alegoria realista da sociedade moderna tradicionalista, representada nas famílias de Milla e Igor, nos alunos da escola e nos amigos homofóbicos de ambos.

Investindo em travelings frontais suaves para aproximar o espectador de seus protagonistas, com planos bem pensados que contemplam a lua cheia dos contos de lobisomem em noite de Halloween e enquadramentos que sugerem que até os manequins da cidade são formados por indivíduos da família tradicional brasileira (um pai, uma mãe e seus respectivos filhos), a fotografia também presenteia os espectadores com uma luz suave e leve, assim como deveria ser compreendido o amor entre Gilmar e Igor, recitado pelo gênero musical da região. É poético ver o coração de Gilmar destroçado através de seu reflexo estraçalhado no seu retrovisor deliberadamente destruído.

 

 

Escolher colocá-lo entre Milla e Igor em em uma cama no belo plongée como frame que representa o filme já declara a escolha política de toda equipe, que não hesita em representar uma mulher resolvida e madura, complexa, cheia de camadas, capaz de apresentar a sua liberdade em um diálogo absolutamente simples e delicado com seu irmão. Ela sofre e, também por isso, inspira empatia.

Ao acabar a sessão, um espectador esbravejou: (sic) “não é possível que uma porcaria dessas tenha sido feita com dinheiro público”. Prezado senhor heteronormativo, não é porque existe uma sociedade imatura para apreciar a beleza dos discursos de liberdade que o povo (na figura do Estado) não poderá investir na arte que os representa. Arte é política.

Milla, Gilmar e Igor: o futuro é agora, em Serra do Ramalho e em todo o mundo.

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2016

Duração: 76 min

Gênero: drama, romance

Direção: Marília Hughes Guerreiro, Cláudio Marques

Elenco: Gilmar Araujo, Igor Santos, Milla Suzart

 

Trailer:

 

 

 

Imagens:

 

Avaliação do Filme

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