Por Luciana Ramos

A má recepção por parte da crítica e público da adaptação cinematográfica de “Cinquenta Tons de Cinza” levou a autora, E.L. James, a assumir controle criativo da produção, mudando a direção e roteiro da sequência, assumidos respectivamente por James Foley e Nial Leonard, marido da escritora.

 

Os indícios de dissonância criativa, acentuados pela clara falta de química entre os atores principais, acenderam questionamentos sobre a qualidade cinematográfica das outras duas partes da trilogia, sanadas por James através da justificativa de maior fidelidade aos escritos originais – não que isso represente alguma elevação artística.

O resultado é um filme com problemas estruturais graves, como mal uso do tempo fílmico, adoção de clichês e construção falha de conflitos, que por sua vez decorre na dificuldade de estabelecimento de elo emocional com os personagens.

“Cinquenta Tons Mais Escuros” retoma a narrativa poucos meses após o término do primeiro filme. Anastasia Steele (Dakota Johnson) busca firmar sua independência em um novo trabalho, enquanto Christian Grey (Jamie Dornan) implora pelo retorno do relacionamento. Um novo acordo é feito, abolindo regras de submissão e punição e o novo modelo, denominado por ele como “baunilha”, ganha ares de um romance comum. No entanto, obstáculos apresentam-se no caminho da felicidade plena na forma de três pessoas: Elena (Kim Basinger), ex-namorada dele, que o apresentou ao mundo BDSM, Leila (Bella Heathcote), uma submissa antiga e Jack Hyde (Eric Johnson), patrão de Anna.

 

O caldeirão dramático promete mesclar romance com suspense, mas nem de longe provoca tais sensações. Os diálogos são péssimos (herança dos livros) e as situações, pouco naturalistas e superficiais, não conseguem impor o peso a que se destinam.

50 tons mais escuros 1

As conversas sobre o passado de Christian, por exemplo, são pontuais e didáticas e, assim, descartáveis. Neste sentido, o papel de Elena é totalmente desperdiçado já que não só falha como ferramenta para maior aprofundamento psicológico dele como também não consegue estabelecer-se como uma rival de fato. O mesmo ocorre com Leila, que pouco aparece e cuja condição mental e motivação não são nem de longe palco de preocupação do roteirista. De fato, a resolução da sua subtrama é tão ridícula que chega a provocar risos. Esse, por sinal, é um sintoma indesejado que aparece de forma recorrente na produção. A má estruturação narrativa faz passagens sérias parecerem tiradas de novelas mexicanas, com direito a drinques na cara e tapas.

 

O problema, no entanto, não pode ser atribuído somente às situações, mas também ao tempo desprendido para cada resolução: enquanto uma cena apresenta o obstáculo a ser superado, a seguinte já o apazigua. Assim, torna-se mais uma vítima do mal de adaptações literárias, que não conseguem filtrar o seu conteúdo e acabam condensando-o em cenas rápidas e entrecortadas que, somadas, aniquilam qualquer chance de o espectador digerir as ações mostradas. Como exemplo máximo, tem-se a sequência envolvendo um helicóptero, que ultrapassa qualquer limite do bom senso.

Em meio ao “suspense” e o romance, condensam-se cenas de sexo que exploram os torsos dos atores – um claro modo de diminuir a classificação indicativa do filme – embaladas por músicas pop dançantes, filmadas sem nenhuma preocupação estética.

Os atores, embora mais à vontade do que no primeiro filme, ainda deixam muito a desejar. É claro o esforço de Dakota Johnson em atribuir alguma simpatia a uma personagem tão plana, mas a apatia de Anastasia não deixa muito material a ser trabalhado. Já Jamie Dornan atua com o mesmo desinteresse de sempre, o que torna a tarefa de sentir algum apreço pelo seu personagem extremamente difícil.

 

Não obstante aos problemas de construção narrativa e estética, o filme ainda suscita questionamentos indesejados sobre o modus operandi de seu protagonista e, por consequência, todo o apelo da historia, visto seu caráter abusivo e machista.

A conjunção de todos esses elementos perturbadores da apreciação artística – clichês, resoluções rápidas, diálogos explicativos, falta de carisma dos personagens e estética conservadora – levam “Cinquenta tons Mais Escuros” aos limites da cafonice, exigindo um altíssimo nível da suspensão de descrença para ser meramente assistido, quiçá aproveitado.

 

Ficha técnica 50 tons mais escuros poster


Ano:
 2017

Duração: 118 min

Nacionalidade: EUA

Gênero: drama, romance

Elenco: Dakota Johnson, Jamie Dornan, Kim Basinger, Marcia Gay Harden, Bella Heathcote

Diretor: James Foley

 

Trailer:

 

 

 

Imagens:

 

 

Avaliação do Filme

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