Por Kyalanvinck Santos

 

Uma realidade crua em meio a um México distópico foi a proposta trazida pelo diretor Julio Hernández Cordón (“Atrás Há Relâmpagos”) para entregar o conto nada encantado de “Compra-me um Revólver”, mas de uma grandeza real e soterrada por uma violência sufocante.

Com uma trilha sonora calma sendo tomada a todo momento por disparos de metralhadoras, a narrativa é clara, curta e grossa. Huck (Matilde Hernández), uma garota, ainda criança, passa os dias acorrentada para não ser sequestrada por gangues inimigas, e seu pai (Rogelio Sosa), um homem atormentado e viciado em heroína, é responsável por zelar um campo de beisebol abandonado que fica nos arredores do seu trailer, pois o local ainda é frequentado por traficantes da região, sempre muito bem armados. O ator não é o foco principal da narrativa, mas é seu personagem que conduz a filha e o espectador do começo ao fim, se expondo aos principais conflitos da história.

O clima de seca tensão é constante e carregado por um ambiente hostil, liderado por gangues que vivem em conflito, estas organizadas por líderes altamente respeitados por seus integrantes. O comércio de drogas, mulheres e crianças é o ponto principal para vender ao público o dia-a-dia miserável de um pai que, apesar dos problemas com o vício, vive única e exclusivamente para proteger a filha e esconder dela – em vão – a dura realidade na qual são obrigados a viver, marcada pela falta de perspectiva, característica (no longa) daqueles que não carregam uma arma nas mãos.

Matilde Hernández (“Tesoros”) é apenas uma criança, mas já provou ter “estômago”. Exposta a um filme que trabalha o conflito de forma tão selvagem, a jovem soube explorar muito bem a melancolia de sua personagem, tanto nas passagens em família quanto na convivência com os garotos de sua idade. Com naturalidade e talento, ela marca seu segundo trabalho no cinema, trilhando um caminho promissor na sua carreira como atriz.

Os três jovens coadjuvantes, por sua vez, trazem a essência de todo e qualquer longa que apresenta a proposta de um grupo infantil perdido em vida, mas unido em amizade. Com um deles já muito marcado pela violência das milícias da região, o grupo inteiro carrega cicatrizes tanto em pele quanto em alma da vida de uma criança sem os cuidados de uma mãe e de um pai.

“Compra-me um Revólver” se junta a safra de ótimos filmes mexicanos comprometidos a contar boas histórias e vai além dos debates e propostas, colocando no colo do espectador a forma mais limpa de pensamento. Ele desenha de forma clara o feminicídio adulto e infantil, a violência oculta aos olhos que quem está longe de viver essa realidade e coloca, mesmo que seja por apenas 84 minutos, a reflexão sobre a idolatria às armas e a falsa sensação de poder do homem ao tê-las em mãos.

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 84 min

Gênero: Drama

Direção: Julio Hernández Cordón

Elenco: Matilde Hernandez, Ángel Leonel Corral, Fabiana Hernandez, Rogelio Sosa

Trailer:

Imagens:

Veja Também:

Rivais

Por Luciana Ramos Aos 31 anos, Art Donaldson (Mike Faist) está no topo: além de ter vencido campeonatos importantes, estampa...

LEIA MAIS

Guerra Civil

Por Luciana Ramos   No fascinante e incômodo “Guerra Civil”, Alex Garland compõe uma distopia bastante palpável, delineada nos extremos...

LEIA MAIS

A Paixão Segundo G.H.

Por Luciana Ramos   Publicado em 1964, “A Paixão Segundo G.H.” foi há muito considerado um livro inadaptável, dado o...

LEIA MAIS