Por Luciana Ramos

O número de sequências e franquias que domina a bilheteria mundial revela uma inegável disposição do público em consumir produtos derivados que satisfaçam suas vontades de mergulhar mais a fundo nas vidas de personagens queridos. Na maioria das vezes, chega-se ao inevitável ponto de esgotamento, sedimentado por premissas ruins ou roteiros mal desenvolvidos.

A saga “Rocky” sofreu desse mal, até ser eficientemente resgatada por Ryan Coogler em novo formato, focado na história de Jordan Adonis Creed, filho do lendário oponente de Rocky. Em suas mãos, a narrativa de transformação pessoal através do esporte ganhou contornos robustos em uma notável preocupação do roteiro no aprofundamento das sensibilidades e fraquezas de cada personagem. Entre a figura de mentor e aprendiz estabeleceu-se um elo concluído em “Creed II”, abrindo caminho para novas extrapolações.

O projeto foi passado das mãos de Coogler para as de seu irmão, Kennan, que assume o roteiro do terceiro filme da saga, e de Michael B. Jordan, que estreia na direção. Nele, opta-se por explorar a vida após a aposentadoria. Adonis (Michael B. Jordan) dedica-se a vida com sua esposa Bianca (Tessa Thompson), que superou seus medos e limitações para produzir músicas de sucesso, e a filha deles, Amara (Mila Davis-Kent).

Focado em treinar novos atletas, ele recebe a visita inesperada de Damien (Jonathan Majors), um amigo de infância que passou boa parte do tempo encarcerado. Ele é uma pessoa obcecada em suprir o sonho antigo de ser um campeão para preencher a palpável dor de uma vida não vivida. Treinar Dame é, para Adonis, um acerto de contas com seu próprio passado. Porém, aos poucos, ele percebe características indesejáveis no amigo que colocam seu legado diretamente em risco. Por isso, decide lutar mais uma vez, ao mesmo tempo defrontando-se com os fantasmas do passado e as inseguranças do futuro.

Seguindo a cartilha de filmes esportivos, “Creed III” é bem construído, oferecendo equilíbrio entre as demandas humanas e do esporte. Ao lançar questionamentos válidos sobre o momento em que a amizade entre os dois personagens principais foi abruptamente interrompida, explora os fatores sociais que os aproximam de maneira bastante delicada, pontuando pontos de inflexão que podem ser determinantes para o destino de uma pessoa – por vezes, reforçando um tom moralista. Neste mesmo campo, aponta criticamente para os mecanismos de bastidores do esporte, denunciando a atmosfera de poder e influência que sobrepõe conexões ao talento bruto.

A trama desenvolve-se seguindo moldes já conhecidos e, por vezes, perde-se no tom ou nas subtramas – aplicável tanto ao background, que poderia ocupar mais tempo de tela, como ao problema de Amara, sem resolução aparente. Sente-se falta também do contraponto entre Rocky e Adonis, que guiava os longas anteriores. Fora a presença carismática de Sylvester Stallone, a dinâmica estabelecida entre os dois fornecia o alívio cômico necessário a uma narrativa tão arraigada na luta.

Da mesma forma, são sentidas as ausências de Coogler na direção e Ludwig Göransson na trilha sonora. Sem eles, “Creed III” perde um pouco do seu dinamismo nas sequências-chaves, aproximando-se de uma apresentação cinematográfica mais mediana. Michael B. Jordan aposta confortavelmente em composições clássicas, com exceção notável da sequência final de luta, onde resolve arriscar mais. Grande fã de animes, ele se pautou nessa estética para compor o duelo, brincando com aproximações bruscas de câmeras, slow motion, exagero de reações e até a incorporação escancarada de metáforas, como as grades da prisão que circulam os personagens. Embora interessante, não apresenta nenhuma ideia concretamente nova e resvala (de leve) na cafonice.

As fraquezas narrativas e estéticas, cabe-se dizer, são insuficientes para derrubar “Creed III”. Em linhas gerais, o filme é bom (aquém dos dois anteriores) e cumpre com eficácia a premissa que se propõe, oferecendo mais camadas interpretativas que o esperado. Além do mais, reforça os talentos do trio principal – Michael B. Jordan, Jonathan Majors e Tessa Thompson – que vem conquistando cada vez mais espaço em Hollywood.     

Ficha Técnica

Ano: 2023

Duração: 1h 56 min

Gênero: drama, esportes

Direção: Michael B. Jordan

Elenco: Michael B. Jordan, Tessa Thompson, Jonathan Majors, Phylicia Rashad, Mila Davis-Kent

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