Luciana Ramos

Brincando no quintal de casa, o pequeno Divaldo (João Bravo) é abordado por uma senhora que clama ser sua avó e pede que ele chame a mãe (Laila Garin). Esta recebe a notícia apavorada, ressaltando a impossibilidade do ato, já que perdeu a progenitora logo após nascer, nunca tendo tido nenhum tipo de interação com ela. Este caso, condensado a outros similares no começo da narrativa de “Divaldo – O Mensageiro da Paz”, servem tanto de testemunho da precocidade do seu dom quanto revelam a incapacidade daqueles que o cerca de o compreenderem plenamente.

A dificuldade do garoto em distinguir as suas visões do que ocorre no plano terrestre o faz obter uma indesejada notoriedade no bairro onde mora em Feira de Santana, culminando no seu isolamento social. Retraído por medo de ser rechaçado, ele ainda se vê condicionado aos moldes da fé católica, que não sabe lidar com esta questão, tratando-a de modo hiperbólico e vexatório.

A continuidade de tragédias o leva a conhecer Laura (Ana Cecília Costa), mulher que estuda o espiritismo e que o acolhe em Salvador para que ele possa desenvolver suas habilidades. A sua jornada de crescimento profissional conjuga-se à espiritual, exigindo dele a compreensão da dimensão de cada um dos dois misteriosos espíritos que o acompanha: ela (Regiane Alves), uma freira que o guia para o bem; ele (Marco Veras), a escuridão, que grita e o provoca, atiçando-o para o mal.

Uma vez apresentado, o maniqueísmo do embate entre luz e sombra sedimenta a narrativa do filme, reduzindo as experiências de vida de Divaldo (Ghilherme Lobo/ Bruno Garcia) às influências destes espíritos, o que culmina na romantização da sua figura. Relegando-se a caminhar em terreno confortável, o roteiro abstém-se de maior aprofundamento em torno de acontecimentos importantes, como as perdas de entes queridos. Ademais, não ajuda que questões mais mundanas – como a impossibilidade de ele ficar em um emprego ou mesmo o incômodo que seu trabalho provoca – são solucionadas com a mesma rapidez que são apresentadas.

Ainda que careça de aprofundamento e, portanto, de frescor narrativo, não se pode dizer que o longa dirigido por Clovis Mello é uma obra ruim, já que ela, mesmo atendo-se a clichês, consegue envolver o espectador. Este é convidado a enxergar além das capacidades mediúnicas de Franco, observando repetidas vezes a generosidade altruísta de alguém que dispôs a vida a oferecer alento aos outros – seja por meio das sessões, seja pelo seu trabalho na Mansão do Caminho.

Assim, a apreciação da sua história de vida (devidamente ficcionalizada e romantizada) independe de doutrinas religiosas, já que se sedimenta na capacidade humana de fazer o bem – conceito que parece em declínio. A derrocada da gentileza, acompanhada do clima bélico que envolve as relações atuais, provoca um pessimismo que invade as telas de cinema (tradicional reflexo social), condensando a experiência cinematográfica recente em uma série de produções cínicas e catastróficas ou ambientadas no patamar alienante da mesmice.

Embora seja uma das funções da arte a catarse como elemento provocador de reflexão, deve-se ressaltar a felicidade do respiro de uma mensagem de paz, pautada no olhar ao desamparado e ao perdão que, quando internalizada, se mostra capaz de promover um tipo diferente de conexão emocional: a movida pela bondade.

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: não informado

Gênero: drama

Direção: Clovis Mello

Elenco: Ghilherme Lobo, Laila Garin, Regiane Alves, Marco Veras, Bruno Garcia, Ana Cecília Costa, João Bravo

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Avaliação do Filme

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