Por Luciana Ramos

A imaginação é o fator central do jogo “Dungeons & Dragons”, que se conduz a partir da capacidade de criação e adaptação dos jogadores. Assim, seria teoricamente fácil converter um universo tão rico em uma obra audiovisual, mas, conforme mostra o filme “Dungeons & Dragons: A Aventura Começa Agora” (2000), a tarefa é bem mais árdua do que parece.

São tantos os elementos disponíveis que um sucesso adaptativo deve ao mesmo tempo explorar seus principais temas, tipos e aventuras e seguir em uma linha conexa, que faça sentido e seja capaz de criar engajamento emocional. Além disso, é essencial atentar-se nessa jornada à linguagem empregada para fazê-lo, já que a estética deve ser elaborada o suficiente para prestar homenagem ao material sem eclipsá-lo.

A nova adaptação cinematográfica sobre o jogo cumpre bem essa cartilha ao investir em uma história simples que propõe um desafio de caráter insuperável aos seus personagens. A trama é conduzida por Edgin (o sempre ótimo Chris Pine), um harpista convertido em ladrão após uma tragédia familiar. Junto a sua parceria Holga (Michelle Rodriguez), eles realizam pequenos furtos até que são convidados pelo trapaceiro Forge (Hugh Grant) a tentar algo mais audacioso. Sem saber, eles entregam à Sofina (Daisy Heard), uma maga poderosa, o último elemento que precisava para dominar comunidades inteiras, transformando-as em um exército de mortos-vivos.

Para concretizar seu plano, ela alça Forge ao poder, usando sua ambição como fio condutor para atração dos transeuntes. Não obstante, o homem ainda acaba tomando Kira (Chloe Coleman), filha de Edgin, para si, alimentando-a com uma narrativa de abandono parental que leva a menina a aceitar de bom grado uma nova figura paterna.

Movidos por amor e vingança, Edgin e Holga decidem fugir da prisão e reencontrar os antigos parceiros de crime, o mago Simon (Justice Smith), ainda em treinamento, e a druida Doric (Sophia Lillis), com poderes que só se equivalem à sua insegurança. No caminho, eles são instruídos por Zenk (Regé-Jean Page), um paladino tão sábio quanto maçante – ao menos na visão do protagonista, que não aceita a concorrência da atenção – e responsável por traçar um caminho objetivo para a missão.

São inúmeros obstáculos físicos e psicológicos que aparecem para desafiar o comprometimento de cada um dos integrantes dessa jornada, exigindo que enfrentem seus maiores medos e reavaliem as decisões de suas vidas no caminho. Eles enfrentam diversas bestas, passagens flamejantes e bloqueios geográficos, abertos por passagens secretas a base de mágica. Tudo isso é conduzido de maneira didática, detalhando o passo a passo da execução – inserção em consonância com o jogo e que ainda ajuda o entendimento daqueles não familiarizados com a dinâmica.

Há uma preocupação do roteiro em embasar as motivações de cada um deles. Embora não muito aprofundadas, as histórias pregressas ajudam na robustez da trama. Em contrabalanço, há o uso repetitivo da comédia como ferramenta. Nem todas as piadas funcionam, mas, ao todo, o filme é embebido de um caráter irreverente que o beneficia – incluindo um ótimo easter egg, ideal para quem foi criança nos anos 80/90, e um cameo estrelado. Aliado ao senso de aventura (e sua proveniente urgência), a leveza serve bem ao caráter primaz do longa, o puro e simples entretenimento, complementado pelo apuro estético dos diretores Jonathan Goldstein e John Francis Daley (o Sam de “Freaks and Geeks”).

Conhecidos por trabalhos como “Férias Frustradas” (2015) e “Noite do Jogo” (2018), eles conseguem explorar bem a complexidade do D&D, oferecendo uma multiplicidade de cenários e suas pequenas particularidades. Seguindo mais ou menos uma fotografia tradicional – com uso de tons mais apagados e iluminação diegética na marcação das passagens medievais – eles deixam a ousadia guardada para as cenas em que a mágica aparece. A profusão de cores e temperaturas são pontuadas como elementos atípicos e especiais, ajudando a potencializar o apelo do universo construído.

Os enquadramentos seguem essa lógica, alternando entre a simplicidade de planos de conjuntos e closes com movimentos de câmera complexos, incluindo inversões completas de eixo e sequências de lutas concomitantes, unidas pelo passeio da câmera pelos locais. Com essa escolha super criativa, o filme torna-se um deleite visual.

Sem reinventar o molde, “Dungeons & Dragons: Honra Entre Rebeldes” é respeitoso o suficiente com o jogo para construir uma sólida arquitetura de história e agregá-la com outros elementos, como o humor, o carisma do ótimo elenco e um pouco de ousadia estética, na construção de uma obra ideal para consumo despretensioso.  

Ficha Técnica

Ano: 2023

Duração: 2h 14 min

Gênero: ação, aventura, comédia

Direção: Jonathan Goldstein e John Francis Daley

Elenco: Chris Pine, Michelle Rodriguez, Regé-Jean Page, Sophia Lillis, Justice Smith, Hugh Grant, Chloe Coleman, Daisy Heard

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