Por Luciana Ramos

Quando Peter Turner (Jamie Bell) conheceu Gloria Grahame (Annette Bening), ele não sabia da magnitude da sua fama. Vivendo em um quarto alugado em Londres enquanto atuava em uma peça, ela parecia lutar tanto para se sustentar quanto ele. Porém, em todos os lugares que iam, alguém o avisava que se tratava de um dos ícones sexuais do cinema preto e branco, alguém que dominou as telas nos anos 40 mas, “em cores”, não fazia tanto sucesso.

O relacionamento entre os dois cresceu naturalmente até um término abrupto, dois anos depois. Os termos pouco amigáveis do desenlace amoroso levaram Peter a reagir com surpresa quando a atriz o procura em sua cidade natal, Liverpool, doente. Sem saber ao certo o que ela tem, o jovem decide acolhê-la em sua casa, deixando sua família à disposição para seus cuidados.

 

Essa decisão desencadeia lembranças do tempo em que ficaram juntos. É seguindo essa dinâmica, alternando presente e passado emocional, que “Estrelas de Cinema Nunca Morrem” se constrói. Por meio de transições extremamente suaves, arquitetadas em tono de planos-sequências em que Peter literalmente abre portas de sua memória e acessa momentos marcantes, o espectador é convidado a experimentar a intimidade do casal, traçando a inevitável comparação entre a vitalidade de Gloria, capaz de iluminar qualquer ambiente, com sua fragilidade física posterior.

 

Flutuando entre dois tempos, o roteiro mostra-se bem embasado. Grande parte da sua atração vem do fato de ser baseado em um livro homônimo, escrito por Turner. Sendo a fonte narrativa um personagem ativo na história, conta-se com uma parcela considerável de parcialidade na descrição dos fatos, algo abraçado pelo diretor Paul McGuigan na estética.

É exatamente o tratamento minucioso de diversos elementos técnicos que eleva a obra a um clima nostálgico extremamente interessante. Um dos exemplos é o uso da fotografia, amarelada e que explora flares e granulação para obter a característica subjetiva. O uso notável da música “California Dreamin’” também salta aos olhos: apresentada em um primeiro momento em uma lembrança feliz, estabelece conexão com a letra, que retrata os bons dias embebidos pelo sol da Califórnia. Quando retomada, em uma cena em que Peter carrega uma Gloria frágil nos braços, aprofunda o seu sentido, conectando-se com os primeiros versos, que contrapõem o ar cinzento do presente com a nostalgia feliz do passado.

 

Em complemento, há a escolha interessante de acentuar a artificialidade do back projection: em sequências como a que os personagens viajam de carro e observam a praia, há a nítida percepção que se optou pela filmagem em estúdio, usando o chroma key como artifício. Sendo Gloria uma atriz da época em que seu uso carecia de tecnologia (sendo, portanto, extremamente falso aos olhos do espectador), trabalhar essa premissa no visual do longa demonstra o entendimento aprofundado do material, além de uma dose de coragem.

 

 

O tratamento estético é ressaltado pelo incrível trabalho do elenco. Jamie Bell consegue passar o misto de sentimentos que seu personagem vivencia durante os momentos com Gloria, tornando-se simpático aos olhos do público. Porém, quem se destaca realmente é Annette Bening, em mais uma atuação maravilhosa. Nas suas mãos, é valorizado cada detalhe da personagem: sua voz mansa e trejeitos afetados – pretensiosamente sensuais – de uma bombshell hollywoodiana, a insegurança da mulher que teme ser taxada pela sua idade e, por fim, a vulnerabilidade de alguém que busca conforto em uma família (que não é sua) enquanto luta para reerguer-se.

Com uma construção narrativa simples e muito bem executada, “Estrelas de Cinema Nunca Morrem” vai além da curiosidade inerente ao retrato de uma história real envolvendo uma grande estrela de Hollywood. Com sensibilidade, explora experiências contrastantes de um casal com um olhar humanizado, sabendo contrapor o tom pesado inerente ao tema com um toque de leveza sem exageros, elementos que, somados, se tornam emocionantes.

 

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2018

Duração: 105 min

Gênero: drama, biografia, romance

Direção: Paul McGuigan

Elenco: Jamie Bell, Annette Bening, Julie Walters, Vanessa Redgrave

 

Trailer:

 

 

 

Imagens:

 

Avaliação do Filme

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