Por Murillo Trevisan

 

A A24 vem provando cada vez mais ser um dos melhores estúdios do mercado. Criada em 2012 pelo trio de amigos Daniel Katz, David Fenkel e John Dodges, ela produz e distribui filmes de baixíssimo orçamento, mas sempre beirando altos níveis de qualidade. Priorizando o cinema de autor e dando liberdade criativa para seus realizadores, o estúdio acabou chamando a atenção do público consumidor de cinema alternativo, e posteriormente, o sucesso e a aclamação da crítica especializada. Filmes como “Ex Machina”, “O Quarto de Jack” e o documentário “Amy” renderam para a empresa os seus primeiros Oscars em 2016 e, no ano seguinte, a obra “Moonlight” angariou o prêmio máximo da cerimônia.

Uma das vertentes que vem se destacando bastante da produtora é o gênero de horror, que se propõe a discutir temas sociais e políticos por trás da trama, evitando o uso desnecessário de jumpscare só pelo susto. Produções como “Ao Cair da Noite”, “A Ghost Story” e “A Bruxa”, conquistaram a crítica com essa fórmula, porém não agradaram tanto ao grande público pelo fato de serem acostumados ao fatigante modelo dessa categoria e, não obstante, pelo mau trabalho das equipes de marketing, que distorceram os temas desses longas em suas campanhas. Em sua nova produção, “Hereditário”, a questão política é deixada de lado para trazer uma abordagem um pouco mais pessoal e familiar.

 

 

Após a morte da reclusa avó, a família Graham começa a desvendar alguns segredos obscuros. Mesmo depois da partida da matriarca, ela permanece como se fosse uma sombra sobre a família, especialmente com a solitária neta adolescente, Charlie, por quem sempre manteve uma fascinação não usual. Com um crescente terror tomando conta da casa, a família explora lugares mais escuros para escapar do infeliz destino que herdaram.

Mais do que um filme de assombração e possessão conforme exposto em seu primeiro plano, “Hereditário” é um drama familiar que aborda as dificuldades em lidar com a perda de entes próximos e os transtornos mentais que esse processo pode causar. Assim como Charlie (Milly Shapiro), todos são obrigados a enfrentar o luto, cada um em sua particularidade. A garota adota a reclusão da avó, isolando-se na casa da árvore e montando bonecos com fragmentos de objetos. Seu irmão Peter (Alex Wolff), camufla seus sentimentos ao fingir não se importar, mas desconta no restante da família. O pai Steve (Gabriel Byrne) é mais sensato e cético. Reforçado pela postura de Byrne e pelos enquadramentos centralizados da fotografia, ele demonstra uma maior aceitação o afastando ainda mais perfil desequilibrado dos outros e por consequência, do espectador.

O foco principal cai sobre a mãe Annie (Toni Collette), que externaliza seu sofrimento e, conforme suas próprias palavras, “carrega todo o peso nas costas”. A postura curvada da atriz transmite visualmente o fardo da personagem e a dificuldade em lidar com tudo. Com sua profissão de maquetista, ela reproduz seus medos e frustrações em pequenas miniaturas, conduzindo os fatos da maneira que ela quer enxergar. Grande destaque do longa, Collette não mede esforços e entrega uma personagem visceral, sendo provavelmente a melhor atuação de sua carreira. Não seria clichê dizer que é digna de Oscar, pois embora a academia não tenha o costume de premiar filmes do gênero, as recentes indicações de “Corra!” e de Daniel Kaluuya podem refletir alguma mudança.

 

 

Estreante na direção e roteiro em longas-metragem, Ari Aster tem a liberdade que todo diretor novato almeja para montar seu próprio filme. Infelizmente, a plot em sua camada mais superficial é um pouco boba, ficando bem aquém das interpretações aprofundadas que ele tenta transmitir. O rumo que a história toma é clichê e um pouco decepcionante. No entanto, como diretor, ele consegue conduzir bem a jornada, fazendo um terror mais subjetivo e atmosférico, onde o desconforto do espectador é disseminado pelo ambiente em que se encontram e não pelo pavor pontual de determinada cena, validando assim as recentes comparações da crítica estrangeira com os clássicos “O Bebê de Rosemary” (1968) e “O Exorcista” (1973).

Outro diferencial vem da direção de arte e estética geral da obra. Quando logo na primeira cena temos um traveling que vem de fora da casa, entra no quarto de Annie em direção à uma de suas maquetes e de dentro dela inicia-se a cena, já nos mostra a intenção do diretor em dizer que existem forças maiores que estão no comando daquelas vidas. As transições de sequências, dia para a noite por exemplo, são milimetricamente calculadas, mudando apenas a luz do ambiente sem que haja movimento de qualquer outro objeto, como se um ser superior desligasse o “interruptor” do mundo.

Como um bom filme de estreia, Ari Aster consegue desenvolver suas ideias fazendo as melhores escolhas. “Hereditário” não te fará morrer de medo ou elevar seus batimentos cardíacos ao extremo, mas o horror visceral e a desconstrução da família Graham certamente o deixará desconfortável.

 

Pôster:

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2018

Duração: 127 min

Gênero: drama, horror, mistério

Direção: Ari Aster

Elenco: Toni Collette, Milly Shapiro, Gabriel Byrne, Alex Wolff, Ann Dowd

 

Trailer:

 

Imagens:

Avaliação do Filme

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