Por Marina Lordelo

 

O cinema cearense resolve se debruçar em uma espécie de fantasia utópica em “Inferninho”, de Guto Parente e Pedro Diógenes. Seria injusto com os personagens afirmar que os realizadores flertam com o surrealismo, então, como opção de fruição estética, seria mais coerente versar sobre o deslocamento prudente da realidade que ambienta a narrativa.

O mar é solidão. E o azul claustrofóbico do bar de Deusimar (Yuri Yamamoto), complementa o magenta que denuncia o aspecto boêmio do Inferninho. E se a luz teatral assume uma personalidade importante para o elenco oriundo de coletivos de teatro, a câmera fixa e a decupagem delicada de Victor de Melo mantêm a coerência na linguagem escolhida para contar a história de Deusimar, que recortada em duas pelo espelho do seu quarto, assume a insegurança natural em manter discrição sobre a sua sexualidade.

Há alguma dificuldade em apresentar a geografia das cenas na primeira metade do filme, ainda que nas sequências seguintes essa compreensão se estabeleça de forma mais eficiente para o espectador. Talvez no uso recorrente dos planos fixos e muitas vezes fechados em uma profundidade de campo claustrofóbica, os realizadores tenham a intenção de criar a ambiência audiovisual necessária para adicionar o aspecto dramático que a trupe da protagonista demanda.

 

 

Na trilha da banda cearense Mastruz com Leite que retomam os anos 2000, tocadas por um organista Drácula e cantadas em diferentes idiomas por Luizianne (Samya De Lavor), os diretores assumem uma outra ferramenta narrativa, flertando com o gênero musical, de expressar os sentimentos da protagonista em relação ao seu par romântico, Jarbas (Demick Lopes), o marinheiro forasteiro.

O garçom é um coelho de patins (Rafael Martins), mas isso não é menos curioso do que frequentadores do bar, que assumem personas fantásticas de quadrinhos, como Wolverine, Homem Aranha e até o Coringa. Ora, porque Deusimar, uma mulher trans, seria vista de um jeito austero e nada empático dentro desse universo fantasticamente real? É nessa forma habilidosa de naturalizar e contextualizar a protagonista que Guto Parente e Pedro Diógenes vertem sensibilidade assumindo, inclusive, o Chroma Key que a leva ao mundo, ressignificando sua vida, sua história, seu lugar e, sobretudo, seus desejos.

 

*Essa crítica faz parte da cobertura da XIV Panorama Internacional Coisa de Cinema de Salvador, Bahia.

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2018

Duração: 82 min

Gênero: drama, comédia

Direção: Guto Parente e Pedro Diógenes

Elenco: Yuri Yamamoto, Demick Lopes, Samya De Lavor, Rafael Martins

 

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Avaliação do Filme

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