Por Luciana Ramos

 

Rendida a sequências desde o início da sua história, Hollywood aposta na repetição de fórmulas de sucesso como fonte fácil de renda. Porém, essa constatação abre espaço para outra faceta de interpretação: a de que o público anseia pela exaustão da jornada de seus personagens. Por vezes, esse processo resulta em uma derivação absurda e pouco coerente, construída ao redor de uma série de tramas autorreferenciais.

Curiosamente, a franquia John Wick é excelente por conter todos esses elementos. Centrada ao redor de um assassino profissional aposentado que resolve se vingar da morte do seu cachorro, a história foi escalando conforme ia crescendo em apreço popular, investindo em elaboradas cenas de ação – muito por graças do diretor Chad Stahelski, que trabalhou muitos anos como dublê – e no apelo popular de Keanu Reeves, dono de um estilo de atuação, digamos, próprio.

“John Wick 4: Baba Yaga” resulta de um profundo entendimento da equipe responsável dos seus pontos fortes. A saga nunca foi extremamente elaborada; ao contrário, contava com a estrutura simples de “vingança obstinada de um homem só” que permeou outras obras, como as recentes “O Protetor” e “Anônimo”. Além de despertarem o engajamento do público (baseado em uma catarse particular), tais produções são geralmente acompanhadas de cortes rápidos em cenas bem planejadas de combate. Surgem, assim, heróis improváveis.

No caso de JW, as narrativas ganharam contornos peculiares com o detalhamento da estrutura da Cúpula, combinando uma série de fatores como um ar nostálgico e o contraste da suposta elegância com uma violência brutal, além do senso de humor levemente debochado. No último filme da franquia principal (que já garantiu uma série de spin-offs), aposta-se na profusão de cenários e temas diferentes, além de um aprofundamento do personagem através da sua contraposição com tipos similares. Do Japão a França, constroem-se embates alucinantes, focados na suposta desvantagem do personagem principal frente a seus opositores, que é repetidamente desmontada por uma resiliência física invejável.

São fornecidas a ele diversos passos para a conclusão da sua jornada, incluindo um batismo de sangue e um duelo, sempre encarados com ar de inevitabilidade. Agora, ainda que lute com a Cúpula como um todo, ele precisa enfrentar as armas sujas do Marquês (Bill Skarsgård), um homem obstinado pelo poder. Como reforço, ele chantageia Caine (Donnie Yen), ex-sócio de Wick, e ainda negocia com um mercenário (Shamier Anderson) que almeja matar para comprar a sua liberdade – este, curiosamente e não por acaso, é dono de um cachorro vira lata.

Ostentoso e um pouco cafona (vide o terno brilhante do Marquês e seu broche de ouro), o filme alonga-se o quanto pode, enchendo a vida de seu protagonista de contratempos sem fim. Seria cansativo, se não fosse exatamente o que seu fã busca ao sentar em uma cadeira de cinema. De fato, é realmente fascinante observar uma obra tão centrada em avaliar suas qualidades e transformá-las em um entretenimento engajador.

Não obstante, revela-se menos aberto a clichês e pontas soltas do que outras sequências cinematográficas, fornecendo um final coerente e satisfatório. Embora tenha um grande elenco, o destaque é mesmo Keanu Reeves, que mais uma vez conseguiu reinventar a sua carreira, com mais empenho físico do que facial. Diante do seu inegável carisma, vilões caricatos, lutas com música dançante e chuva ao fundo ganham contornos ainda mais compensatórios. “John Wick 4: Baba Yaga” é nada menos que o melhor filme da saga.

Ficha Técnica

Ano: 2023

Duração: 2h 49 min

Gênero: ação

Direção: Chad Stahelski

Elenco: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Lance Reddick, Ian McShane, Donnie Yen, Bill Skarsgård, Aimée Kwan, Shamier Anderson, Rina Sawayana

Veja Também:

Rivais

Por Luciana Ramos Aos 31 anos, Art Donaldson (Mike Faist) está no topo: além de ter vencido campeonatos importantes, estampa...

LEIA MAIS

Guerra Civil

Por Luciana Ramos   No fascinante e incômodo “Guerra Civil”, Alex Garland compõe uma distopia bastante palpável, delineada nos extremos...

LEIA MAIS

A Paixão Segundo G.H.

Por Luciana Ramos   Publicado em 1964, “A Paixão Segundo G.H.” foi há muito considerado um livro inadaptável, dado o...

LEIA MAIS