Por Marina Lordelo

 

Reginaldo Holyfield e Luciano Todo Duro foram e ainda são grandes referências para o boxe do nordeste. Por causa de uma rivalidade explícita entre o baiano e o pernambucano, o diretor soteropolitano Sérgio Machado (de “Cidade Baixa” e roteirista de “Abril Despedaçado”) resolve documentar mais de vinte anos de história que culminaria em “A Luta do Século” , título que sugere o embate final entre os personagens em uma última aparição nos ringues.

O filme alterna sua forma (indireta e direta) assumindo uma apresentação cronológica e documental de seus protagonistas. Faz uso de imagens de arquivo e narração em off que conduzem a fábula para resgatar os desafios pessoais de Holyfield e Todo Duro, ao passo que apresenta a construção de uma rivalidade (cômica) que parece ser apressada pela mídia oportunista da época. Neste primeiro ato, há uma espécie de distanciamento dos realizadores, que assumem uma condução indireta na tentativa de apresentar fatos exclusivamente documentais.

 

 

No segundo ato, o filme se torna contemporâneo, e os lutadores já cansados e envelhecidos, são apresentados de forma mais intimista, direta e genuína – é possível reconhecer a história de cada um através dos cômodos de suas casas, dos vizinhos que os reconhecem na rua, de suas intimidades religiosas ou profanas e, até mesmo, da relação com a equipe de filmagem. Essa oportunidade de transição na forma transforma a narrativa em um interessante material que apresenta agora não mais os personagens lutadores Holyfield e Todo Duro, mas Reginaldo e Luciano, indivíduos com dramas legítimos e sensíveis. Por exemplo, em uma das cenas, o lutador pernambucano carrega seu neto no colo, e, na beira do fogão, percebe a necessidade de alimentá-lo – de comida e de afeto.

A aproximação empática com os personagens é fundamental para estabelecer a conexão espectador-espetáculo, fortalecida pela estratégia fílmica de Machado em criar uma atmosfera casual – uma escolha interessante do roteiro, por exemplo, é manter na montagem final um plano onde Todo Duro conversa com a equipe de filmagem (que está fora de quadro) convidando-os para um “embate”. É praticamente um convite ao espectador, que sorri, inevitavelmente.

Nessa humanidade necessária para a compreensão histórica e até sociológica (por assim dizer) do fenômeno do boxe no nordeste, um retrato complexo é traçado: são negros, filhos de estivadores e lavadeiras, simples e analfabetos que, conduzidos por seus talentos e por pressão midiática, tem carreiras absolutamente próximas, tanto em conquistas quanto em derrotas diversas. E se a presença de um famoso traficante interfere declaradamente na condução da obra cinematográfica, porque não dizer que interferiu também nas vidas de ambos os personagens?

 

 

“A Luta do Século” é sutil em representar um dos estratos do fenômeno do boxe no nordeste com suas questões políticas e sociais, mas é bastante coerente em apresentar as referências mais importantes deste esporte no Brasil, Holyfield e Todo Duro, os personagens, e Reginaldo e Luciano, os nordestinos.

 

Pôster

 

Ficha Técnica

Ano: 2018

Duração: 78 min

Gênero: Documentário

Diretor: Sérgio Machado

 

Trailer:

 

Imagens:

Avaliação do Filme

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