Por Luciana Ramos

Kristin Balbado (Toni Colette) é uma mulher resignada a vida tranquila que vive no subúrbio americano. A tolerância ao ambiente tóxico de trabalho se contrapõe ao desespero experimentado pela falta do filho, que acaba de entrar na faculdade. Transitando em uma espécie de equilíbrio fino, ela se vê subitamente sem ar ao se deparar com o marido lhe traindo no mesmo momento em que descobre ser a herdeira dos negócios do avô na Itália.

Sem ter lembrança do homem, Kristin decide viajar mesmo assim: para ela, a Itália é um sonho, uma oportunidade de reinvenção à la “Sob o Sol da Toscana” e, se der sorte, “Comer, Rezar e Transar” (o trocadilho é intencional e aparece diversas vezes no filme). Porém, ela encontra uma organização criminosa em guerra com outra família, que depende de uma figura de autoridade com o nome Balbano para conduzir negociações de paz com outros chefões da máfia.

Obviamente, sua primeira resposta é o desespero, acentuando seu despreparo ou mesmo falta de personalidade para a missão. Bianca (Monica Belucci), assistente leal de seu avô e cabeça da organização, a convence do contrário, se dispondo a guiá-la por todo o caminho. Kristin se vê convencida de que seu envolvimento é passageiro e, nesse meio tempo, decide aproveitar um romance com um chef divorciado, Fabrizio (Eduardo Scarpetta), consertar a vinícola da família e até mesmo implementar a distribuição ilegal de remédios mais baratos para quem precisa. Na sua visão, trata-se de equilibrar as desagradáveis ações que necessita tomar (como matar alguns rivais) com um senso de justiça e apreciação às coisas belas que a lembre de continuar sendo “uma boa pessoa” – em toda a elasticidade que o conceito permite.

Construído a partir de uma premissa bastante frágil por exigir mudanças radicais nas condutas dos personagens, “Mafia Mamma: De Repente Criminosa” se sustenta nas cordas bambas. A história inteira utiliza o conceito de peixe fora d’água (clássico das sitcoms) para estabelecer seu parâmetro de humor. É um artificio comum que, quando bem usado, pode galgar o filme em questão a um patamar de absurdo que é hilário, mas, neste caso, nota-se uma certa oscilação em fazê-lo. A trama condensa sequências divertidas e violentas, como uma reunião via Zoom que envolve golpes com um scarpin, ao conforto da repetição de mantras e temas que reafirmam o tempo todo a essência do filme. É o caso da cena em que a protagonista encontra os chefões da máfia e lhes presenteia com muffins, um aceno desnecessário ao espectador da sua natureza de “soccer mom americana”, algo já em processo de desconstrução nesse ponto.

A mesma preocupação aparece também nas inúmeras referências a filmes ambientados na Itália – caso dos já citados “Sob o Sol da Toscana e “Comer, Rezar e Amar” – ou o clássico “O Poderoso Chefão”, referido à exaustão em diálogos e imagens. Sobra até para “Scarface”, cuja inserção soa um pouco estranha.

Ainda que bastante falho em arquitetura narrativa, o novo filme de Catherine Hardwicke (“Crepúsculo”) oferece passagens sólidas, muito por conta da dedicação de Toni Colette ao papel. Seu talento transborda nas expressões faciais e mudanças repentinas de humor, que elevam o caos da produção. O sorriso doce que desaparece ao confrontar fisicamente alguém, mas logo volta em alguma consideração fútil é absolutamente hilário. Ela também traz bastante fisicalidade ao papel e é a principal razão de assisti-lo. O ótimo elenco de apoio, composto por Monica Belucci e Sophia Nomvete (que interpreta a amiga e advogada Jenny), é essencial para a criação de um tom bastante leve que perpassa a produção e ajuda a minimizar os inúmeros erros de roteiro.

Ao final, “Mafia Mamma: De Repente Criminosa” não é um bom filme, mas, a depender das expectativas do espectador, pode ser uma boa diversão, um escape pronto para ser consumido com todo o charme de Toni Colette e esquecido logo depois.   

Ficha Técnica

Ano: 2023

Duração: 1h 41 min

Gênero: ação, comédia, policial

Direção: Catherine Hardwicke

Elenco: Toni Colette, Monica Belucci, Sophia Nomvette, Eduardo Scarpetta

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