Por Luciana Ramos

Lucy (Jennifer Connelly) é uma ex-atriz mirim que decide ir a um retiro semi silencioso a fim de atingir elucidação, representado no filme de Alice Englert como um estado mental em que todo o sofrimento é abandonado, sendo substituído pelo profundo entendimento de sua existência e, assim, revelação dos mistérios do mundo. O local é curiosamente montado – com muita natureza e arquitetura simples, contraposta à lojinha de produtos com a cara do guru estampada. O retiro seria genuíno ou um esquema para ludibriar inocentes? O questionamento é colocado propositalmente, mas o foco da ação está na intenção palpável de Lucy em se tornar uma pessoa melhor.

Logo de cara, ela se descreve ao grupo como sendo uma megera (um eufemismo ao palavrão usado) e, pouco a pouco, o seu modus operandi fica mais claro – especialmente com a chegada de Beverly (Dasha Nekrasova), uma modelo/DJ que parece gostar de atenção e não ser muito sincera nas suas ponderações. A dinâmica passivo-agressiva entre as duas torna impossível para Lucy esconder o seu descontentamento: julgamentos severos atravessam os seus olhares, seu rosto se contorce em caretas toda vez que a mulher fala e, em alguns momentos, a protagonista cede abertamente ao sofrimento de não conseguir alcançar o seu nirvana.

É quando a narrativa abraça a comicidade e reverbera o título, criando uma sequência caótica comandada com perfeição por Connelly (absolutamente brilhante no papel). O absurdo vem na forma de violência, colocada como um extravasamento de tudo que estava sendo reprimido: o mau comportamento de Lucy seria o seu fracasso ou sua redenção?

Até então, as cenas do retiro eram pontualmente contrapostas com a rotina de Dylan (Alice Englert) em um set de filmagem na Nova Zelândia, onde integra a equipe de dublês. Brincalhona e afável, a filha de Lucy parece gostar de se jogar de um lance de escadas ou ensinar ao seu interesse romântico como fingir um estrangulamento. Paulatinamente, o comportamento apresenta rachaduras de sua psique, escancaradas quando, após um dia sofrido (literalmente) no trabalho, ela recebe uma ligação dizendo que sua mãe precisa de ajuda.

O reencontro entre elas une as duas pontas do roteiro, transformando a narrativa em um acerto de contas familiar. A frieza de Lucy com a visita surpresa revela que ela, de fato, não possui as qualidades maternais esperadas – confirmando para os espectadores os temores que a personagem expressou previamente. Dylan, por sua vez, avança para uma infantilização combinada à carência que preenche a tela de sofrimento.

Nesse ponto, “Mau Comportamento” passa a apostar mais na troca de diálogos, relegando a ação ao segundo plano. Ainda que a tensão prevaleça na relação torta entre as personagens, esta é bem mais diluída que na fase do retiro, impondo a desconfortável sensação de que o melhor do filme já passou. Nesse estágio pós combustão, as conversas servem para complexificar ambas as personagens, expondo de que maneira as carências maternas se perpetuam em um ciclo geracional.

Revela-se, nesse momento, o querer genuíno das duas em se acertar: mesmo quando se odeiam, elas não conseguem ficar totalmente distantes. O filme oferece, na sequência final, uma possibilidade de reconstrução, pautada na aceitação e no esforço pelo perdão – indefinida dada a instabilidade emocional de Lucy e Dylan.

Entre erros e acertos, o primeiro longa de Alice Englert, filha da diretora Jane Campion (que aparece em um cameo) expõe um olhar aguçado para o imperfeito, o absurdo e o cômico nas relações humanas. Além disso, ao se notar a qualidade das atuações, em especial de Connelly e Ben Whishaw, destaca-se a sua vocação para a direção dos atores – estes por si só muito talentosos, é verdade, mas potencializados pelo foco na construção complexa de suas emoções. “Mau Comportamento” é imperfeito e recheado de boas intenções, como seus personagens.

Essa crítica integra a cobertura da 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo

Ficha Técnica

Ano: 2023

Duração: 1h49m

Gênero: comédia, drama

Direção: Alice Englert

Elenco: Jennifer Connelly, Alice Englert, Ana Scotney, Ben Whishaw

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