Por Luciana Ramos

 

A franquia Missão Impossível nasceu da vontade de ressignificar a carreira de Tom Cruise. Na época, o ator decidiu que era hora de parar de correr atrás do reconhecimento da Academia e mudar o direcionamento da sua carreira para algo mais popular. Surge, então, a ideia de adaptar uma antiga série investigativa de sucesso, modernizando seus elementos sob a tutela de Brian De Palma a fim de oferecer um espetáculo visual que engajasse o público o suficiente para deixá-lo querendo mais.

O modelo consolidou alguns elementos básicos, como a dinâmica em equipe e a apresentação prévia dos destalhes de alguma missão impossível, que permite ao espectador antecipar os gargalos, e assim, sentir-se parte da ação. Porém, nada se compara às repetidas investidas de Cruise em desempenhar ao menos uma façanha dificílima em cada filme, reforçando o caráter espetacular da obra e, consequentemente, atestando a necessidade de assisti-la na maior tela possível. Não obstante, os temas sempre circundam questões éticas e sociais pertinentes – em geral associadas ao desenvolvimento de alguma tecnologia – que conferem relevância adicional à franquia.

Dessa vez, a discussão gira em torno dos perigos da Inteligência Artificial. No longa, ela torna-se sensciente e usa o seu poder de infiltração em sistemas federais para causar eventos destrutivos em larga escala. É exatamente essa habilidade de transitar sem ser notada que transforma “A Entidade”, como é cunhada, em um inimigo quase imbatível.

Dado o seu poder, os países começam a brigar entre si pela sua captura e controle, um jogo perigoso pautado no interesse da supremacia geopolítica. Pessoalmente afetado pela tecnologia, Ethan Hunt (Tom Cruise) possui outros planos para ela: descobrir o que uma misteriosa chave dourada abre e, em seguida, aniquilar a IA. Para isso, conta com a leal ajuda de Benji (Simon Pegg), Luther (Ving Rhames) e Ilsa (Rebecca Fergunson), procurada internacionalmente pelo seu envolvimento no roubo de um pedaço do artefato.

Logo de cara, “Missão Impossível: Acerto de Contas – Parte Um” apresenta uma intricada cena de ação em um aeroporto. O local é palco de uma transação envolvendo possivelmente a outra metade da enigmática chave, carregada pela ladra Grace (Hayley Atwell). Acostumada a pequenos furtos, ela se envolve em uma trama muito maior do que poderia imaginar e, por se tornar alvo em comum de diversos grupos, é acolhida por Ethan.

Estabelece-se, nesse ponto, a dinâmica desse longa: Grace é perseguida por ter a chave em mãos e Ethan suspende seus planos para salvá-la; enquanto isso, seus amigos tentam conseguir mais informações sobre o inimigo que estão combatendo – incluindo os mercenários que o personificam. Compõem o intricado jogo de gato e rato a Viúva Branca (Vanessa Kirby), interessada em negociar a mercadoria para salvar a sua pele, policiais americanos designados para captura de Hunt, além de agentes governamentais interessados na aquisição da tecnologia extraoficialmente.

O aumento de personagens resulta no alongamento das cenas de ação, que funciona bem de modo geral. O destaque fica para uma perseguição de carro desigual – entre um tanque militar e um Fiat Cinquecento – nas ruas de Roma. O fato de Ethan estar algemado a Grace o tempo todo não só aumenta a tensão, como serve para construção de inúmeras gags visuais.

Aliás, o humor é muito mais presente nesse filme do que nos anteriores. Há um grande debate, por exemplo, em torno da habilidade de Ethan entrar em um trem em movimento e, embora ele próprio duvide, há uma percepção generalizada de que, para ele, nenhum desafio é intransponível. O alívio cômico funciona, mas é estendido um pouco além do necessário, talvez refletindo uma necessidade dos produtores em suavizar o ar catastrófico do roteiro.

O fato de “Missão Impossível: Acerto de Contas – Parte Um” ser o preâmbulo de um grande confronto impõe uma limitação nítida ao filme, já que são deixadas inúmeras pontas soltas. A escolha em dividir a equipe e relegar a ação final (com a missão, de fato, impossível) para Grace também produz um efeito misto. Ao passo que a ação cresce exponencialmente quando trabalhada em um espaço confinado e a dupla Hayley Atwell/Vanessa Kirby é excelente em oferecer a vulnerabilidade necessária para aumento da tensão, é impossível não se notar a falta das habilidades específicas dos membros da IMF (que agora atuam clandestinamente).

É compreensível, no entanto, a escolha em aprofundar a apresentação da nova personagem, e Atwell reafirma seu tino para ação em inúmeros momentos da produção. O melhor é a sua interação com Cruise, que atua como par romântico e mentor. A bordo de um trem, eles oferecem, por meio de um trabalho físico primoroso, a melhor sequência do longa, realmente de tirar o fôlego.

O terceiro ato, em si, é uma explosão de entretenimento, que reforça a excepcionalidade da franquia Missão Impossível, pautada na busca incansável pela excelência que move a dupla Cruise-McQuarrie. É nítida a preocupação de construir uma narrativa robusta, oferecer uma multiplicidade de ângulos em cada sequência de ação, explorar a riqueza visual de cada locação em uma teia delicada construída ao redor do carisma e comprometimento do seu ator principal. Sempre vale a pena pagar um ingresso e escolher o melhor lugar para degustar a experiência de assistir Ethan Hunt e sua turma tentando combater o fim do mundo.

Ficha Técnica

Ano: 2023

Duração: 2h 43m

Gênero: ação, aventura, suspense

Direção: Christopher McQuarrie

Elenco: Tom Cruise, Simon Pegg, Ving Rhames, Vanessa Kirby, Rebecca Fergunson, Pom Klementioff, Hayley Atwell

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