Por Luciana Ramos

Sensível e poético, Ricardo (Victor Mendes) vive se apaixonando; às vezes, uma mentira travestida de desejo que dura uma noite e é guardada como recordação no seu celular; outras, sofridas e duradouras, que expõem a sua fragilidade (ciúmes, medo, adoração) através da necessidade impetuosa de ser correspondido.

Ricardo sabe que os sentimentos avassaladores que o atingem sem pedir licença são, em parte, frutos da sua visão de mundo, esta enraizada em grandes arroubos artísticos. É este conhecimento que o faz perguntar em determinado momento de “Música Para Morrer de Amor”: as pessoas se apaixonariam não fossem as inúmeras obras que traduzem (ou prometem) a sua grandeza? Seriam as nossas buscas frutos irremediáveis da produção de artistas que se propuseram a pensar o sentido do amor?

Para ele, naquele momento, pouco importa a razão, já que Ricardo se vê consumido pela obsessão por Felipe (Caio Horowicz), seu novo colega de trabalho (não à toa na Secretaria de Cultura). Introspectivo e um pouco tímido, este reage de maneira dúbia à atenção, alimentando-a e, ao mesmo tempo, procurando o amor em outras pessoas. Já Isabela (Mayara Constantino), a terceira peça deste tabuleiro amoroso, acaba de ter o coração partido e não consegue se desgarrar das memórias, questionando o sentido do seu relacionamento com Gabriel (Ícaro Silva) ao contrapô-lo com a peça “Romeu e Julieta”, em que ambos iriam atuar.

As vivências destes três personagens compõem a narrativa do filme de Rafael Gomes, adaptado da peça Música Para Cortar os Pulsos”, de mesma autoria. Questionam-se os conceitos relativos ao amor e suas diversas apresentações: o ideal, o platônico, o verdadeiro, o puro desejo, o passageiro e o sentimento duradouro, que pode ser romântico ou fraternal. De fundo, estão as músicas que inspiram essas paixões, compondo uma excelente trilha sonora (e inúmeras participações estelares, como as de Fafá de Bélem, Maria Gadú, Clarice Falcão e Milton Nascimento) que, ao contrário do esperado, não possuem influência direta na trama. Os personagens citam Cazuza de forma pouco espontânea em um bar ou convidam possíveis amores para a ópera, mas as letras ou melodias não conduzem o roteiro, como é o caso do maravilhoso filme “Todas as Canções de Amor”, relegando-se a um plano mais complementar do que intrínseco.

As suas inserções verbais, como a citada acima, quanto somadas à escolha de músicas clássicas ou mesmo a análise excessiva do clássico de Shakespeare concedem a uma narrativa simples e contida ares pretensiosos. Ainda que se entenda a escolha de usar grandes expressões sentimentais a fim de debater os limites do tema, estes soam pouco naturais à trama por concederem um tom demasiadamente poético e, portanto, descasado com a “vida real” retratada na fotografia, nos enquadramentos, nos figurinos, na informalidade das situações.

Ainda assim, é bastante interessante acompanhar a jornada de três personagens tão atraentes e complexos, incertos nos passos que desejam seguir. Neste intuito, o roteiro poderia ter também ousado se descolar do trio principal para aprofundar-se um pouco mais em subtramas igualmente intrigantes e bonitas, como a da irmã de Isabela e da mãe de Felipe (Denise Fraga), ou melhor explorar o ponto de vista de Thiago (Thiago Ledier), amigo de Ricardo.

Os problemas, no entanto, não despem “Música Para Morrer de Amor” da sua capacidade de inspirar ou mesmo emocionar aos que acreditam no amor como a grande expressão humana. Ademais, é importante frisar em tempos tão sinistros a importância da cultura nacional em todas as suas formas e, neste sentido, cabe o mérito à Vitrine Filmes em ter inovado a distribuição do filme, valendo-se da popularidade reconquistada dos drive-ins e do crescimento das plataformas VODs para tanto.

Ficha Técnica

Ano: 2020

Duração: 102 min

Gênero: romance, drama

Direção: Rafael Gomes

Elenco: Mayara Constantino, Caio Horowicz, Victor Mendes, Ícaro Silva, Suely Franco, Denise Fraga

Avaliação do Filme

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