Por Luciana Ramos
Desde pequena, a coisa que Noelle (Anna Kendrick) mais gostava era esperar o seu pai entrar pela chaminé na noite de Natal para distribuir a ela e Nick (Bill Hader) os presentes finais. Filha do bom velhinho, ela cresceu no Polo Norte com a missão de espalhar alegria e ajudar o irmão a se preparar para eventualmente carregar o manto de Papai Noel.
Porém, quando o momento chega Nick é tomado por crises de ansiedade, potencializadas pela sua latente falta de aptidão para o cargo. A fim de tranquilizá-lo, sua irmã sugere um final de semana de descanso, o que cria um pandemônio na aldeia que produz brinquedos para todo o mundo: Nick foge para um “lugar quente” (o pouco inspirado Phoenix, diante de todas as maravilhas tropicais do mundo) e compromete o Natal de todas as crianças.
Noelle é obviamente responsabilizada e decide responder à perda de privilégios e gentilezas usando o trenó e as renas para viajar atrás dele, sendo seguida pela fiel escudeira, sua babá e elfo, Polly (Shirley McLaine).
Perdida entre os barulhos, grosserias e o gosto de álcool da cidade do Arizona, decide pedir ajuda a um investigador, Jake Hapman (Kingsley Ben-Adir) que, seguindo a tradição dos filmes deste tema, é um cético de bom coração. Enquanto isso, o Polo Norte é tomado pelas ideias do primo Gabe Kringle (Billy Eichner), que assume o manto de bom velhinho interinamente e começa a revolucionar o sistema, adotando classificação de crianças como boas ou más a partir de algoritmos e programação de entrega de brinquedos por drones – levando os demais residentes à loucura.
A aposta da Disney+ para o Natal (que integra a investida em material atraente para angariar novos assinantes) representa a verve da empresa, sendo destinada a toda a família. Os temas, aqui, são reciclados – das brincadeiras com os elementos natalinos ao uso do artifício cômico “peixe fora d’água” para criar piadas – mas devidamente embalados em uma atmosfera divertida e leve.
Para os pequenos consumidores, há a alegria de Natal, o uso de linguagem apropriada (a maior ofensa destinada a alguém é que “se comportou mal”), os encantos da narrativa natalina e as cores vibrantes que delimitam o Polo Norte e, consequentemente, os figurinos de Polly e Noelle. Já para os adultos, há a inteligência de piadas com hábitos e/ou tipos sociais: o vício em tecnologia que perpassa as idades, o poderio dos algoritmos nas decisões profissionais, as piadas de duplo sentido embasadas no não entendimento da protagonista e, de modo mais certeiro, a moda do wellness. O fato de Nick ser um rapaz quase quarentão que sofre de síndrome do Burnout, foge para se abrigar em um retiro espiritual e vira praticante de Yoga diz muito sobre o momento em que vivemos.
Não obstante, há o próprio mote do filme: o conflito entre patriarcado e vocação. Fica claro desde o início um talento maior de Noelle para a missão de Natal, mas a tradição conservadora abarca apenas os homens como candidatos para o posto de Papai Noel. A ansiedade de Nick, por sua vez, vem reforçar a ideia de que às vezes os costumes deixam de fazer sentido – a partir da percepção do seu fator excludente – e, portanto, constantes reformulações sociais são bem-vindas quando apontam para maior inclusão.
Em suma, “Noelle” acerta em cheio na abordagem dos seus temas, conseguindo permanecer alegre, divertido e também oferecer boas reflexões.
Ficha Técnica
Ano: 2019
Duração: 104 min
Gênero: comédia, fantasia, família
Direção: Marc Lawrence
Elenco: Anna Kendrick, Bill Hader, Billy Eichner, Shirley McLaine, Kingsley Ben-Adir, Julie Hagerty