Por Luciana Ramos

 

Em uma época movida a produtos fílmicos derivados (remakes, sequências) ou que abusam de fórmulas prontas (franquias), conteúdos originais têm se tornado mais raros, especialmente os que se mantem fieis a um gênero. Por isso, a experiência de assistir “A Noite do Jogo” mostra-se recompensadora: construído como uma comédia onde pessoas comuns são forçadas a lidar com situações extraordinárias, o filme envolve com piadas inteligentes – que vão desde a quebra de expectativas a comentários sociais – e uma gradação dramática bem feita, pontuada por um trabalho estético superior a outros filmes do tipo.

A trama é centrada no casal ultracompetitivo Max (Jason Bateman) e Annie (Rachel McAdams), que organizam em sua casa toda semana uma noite de jogos com os amigos Kevin (Lamorne Morris), Michelle (Kylie Bunbury) e Ryan (Billy Magnussen), que sempre leva uma acompanhante nova. Brooks (Kyle Chandler), irmão do protagonista, decide mover o evento a um outro patamar, sugerindo a substituição das eventuais charadas e mímicas pela resolução de um enigma que conduzirá o vencedor a um super prêmio, um carro de luxo. Porém, quando ele é de fato sequestrado por criminosos (o que todos interpretam como parte do jogo), os amigos devem reunir as pistas disponíveis para resgatá-lo. A premissa abre espaço para a escalação do humor através do absurdo, tornando a tranquila noite de aparente diversão em uma concatenação de eventos hiperbólicos, envolvendo clubes da luta, tiros acidentais e encontros com bandidos.

 

O roteiro mostra-se fluido, mesclando bem elementos de comédia com ação, pautando-se na competitividade de cada personagem como justificativa elementar para o envolvimento deles no conflito apresentado; neste sentido, fundamenta-se também a rivalidade familiar como combustível para vencer, algo que funciona até o segundo ato, quando a história toma outro rumo, mas o espectador já se vê envolvido, sedento pela resolução final. De forma inteligente, o roteirista Mark Perez inclui as habilidades que cada um deles tem enquanto jogador em passagens importantes: o pensamento e jogo de equipe é valorizado, como mostrado na cena em que se revezam com um valioso item nas mãos; a mímica, em outro momento, é o ponto central de comunicação e estratégia.

Outro ponto interessante é a construção do relacionamento entre Ryan e Sarah (Sharon Horgan). Logo ao início, fundamenta-se que ele privilegia a aparência de suas acompanhantes, algo apontado como determinante para suas sucessivas derrotas. No entanto, ao levar sua astuta colega de trabalho, fica bem claro ao espectador que ele não é muito dotado de intelecto, o que faz confiar na inteligência superior de sua companheira para desvendar os mistérios apresentados. Essa sutil inversão de valores a dinâmica comumente abordada em filmes de comédia mostra-se positivamente surpreendente, concedendo um pouco mais de substância ao longa.

A esse trabalho cuidadoso do roteiro complementa-se o esmero estético aplicado a produção, que aposta em transições que remetem a jogos de tabuleiro (muito evidente na montagem inicial) e uso de tilt shift, técnica que transforma planos abertos de ambientação em aparentes maquetes, adequando a estética do filme ao seu tema.

 

Outro grande destaque é o elenco, que trabalha bem junto, se complementando para extrair o máximo de humor de cada cena. Dentre as atuações, destacam-se as de Jason Bateman e Rachel McAdams, responsáveis pelos personagens principais. Enquanto o tipo sério e um tanto desesperado dele mostra-se um bom contraponto ao absurdo do cenário apresentado, o carisma de McAdams salta aos olhos. Trabalhando seu corpo para a obtenção de nuances cômicas, ela demonstra imenso talento para esse tipo de produção.

Extremamente divertido e bem feito, “A Noite do Jogo” trabalha com elementos narrativos comum aos filmes de comédia, que são potencializados por um trabalho minucioso de elaboração de piadas e situações, mesmo cuidado reparado na construção da estética. Pelo resultado além da média, o filme externa o que há de melhor no gênero.

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

Ano: 2018

Duração: 100 min

Gênero: comédia

Direção: Jonathan Goldstein, John Francis Daley

Elenco: Jason Bateman, Rachel McAdams, Kyle Chandler, Billy Magnussen

 

Trailer:

 

Imagens:

Avaliação do Filme

Veja Também:

Guerra Civil

Por Luciana Ramos   No fascinante e incômodo “Guerra Civil”, Alex Garland compõe uma distopia bastante palpável, delineada nos extremos...

LEIA MAIS

A Paixão Segundo G.H.

Por Luciana Ramos   Publicado em 1964, “A Paixão Segundo G.H.” foi há muito considerado um livro inadaptável, dado o...

LEIA MAIS

O Menino e a Garça

Por Luciana Ramos   Aos 83 anos, Hayao Miyazaki retorna da aposentadoria com um dos seus filmes mais pessoais. Resvalando...

LEIA MAIS