Por Bruno Tavares
A história da humanidade possui uma interessante característica cíclica. Entre outras repetições, períodos negros costumam ser seguidos por anos de alegria e prosperidade. Foi assim quando a Idade Média deu lugar ao Renascimento e também quando o fim da Primeira Guerra Mundial ocasionou os “loucos anos 1920”. Analisando esse último período em específico, observa-se que as pessoas deram adeus aos horrores bélicos e receberam com euforia uma nova década, marcada por grandes alterações comportamentais.
É justamente este momento transitório que acompanhamos no filme “Nos Vemos no Paraíso”. Dirigido por Albert Dupontel, na trama vemos os derradeiros dias da França na Primeira Guerra Mundial. Com a carta do cessar fogo em mãos, o tenente francófono Henri Pradelle (Laurent Lafitte) decreta um ataque surpresa contra as tropas alemãs. Esta ordem descabida entrelaça as histórias de Édouard Péricourt (Nahuel Pérez Biscayart) e Albert Maillard (Dupontel), que salvam um ao outro no campo de batalha e se tornam amigos no pós-guerra. Findado o conflito, Pradelle, Péricourt e Maillard passam a ganhar a vida aplicando golpes que, de um jeito ou de outro, envolvem aqueles que pereceram em combate. Essa existência criminosa acaba por unir os três novamente em uma perigosa aventura.
Mesmo com uma premissa interessante, o filme é uma mistura equilibrada de acertos e erros. Entre as decepções está o roteiro, que é repleto de situações previsíveis e se apoia na literalidade para produzir humor. Incontáveis vezes os atores repetem aquilo que já vimos em tela para gerar uma punch line engraçadinha que, ao final, não surte o efeito desejado. O que salva o texto do embaraço é a elaboração do terceiro ato que consegue empolgar o espectador, ainda que de maneira tardia.
No que diz respeito aos personagens, a situação também é instável. Édouard, que acaba desfigurado após a guerra e passa a usar máscaras para esconder suas cicatrizes, é talvez a figura dramática mais profunda. Mesmo que as cenas no hospital de campanha convençam apenas medianamente, a expressão corporal e o olhar do ator ganham intensidade quando ele passa a usar máscaras. Estas cumprem dois propósitos: cobrir sua deformidade e transparecer humores. Para explicitar uma completa quebra com o passado, ele homenageia as vanguardas artísticas da época e seus expoentes como Marcel Duchamp, ícone do Dadaísmo, e Modigliani, conhecido por suas reproduções que alongam as formas humanas. Assim como Péricourt, estes pintores renegaram as origens clássicas e revolucionaram seus campos de atuação.
Outro que merece destaque é o tenente Henri, que possui sua história intrinsecamente ligada à morte, seja a proporcionando no campo de batalha, seja lucrando com ela após o conflito. Tal característica é exacerbada logo no início do longa, quando o vemos envolto em sombras, iluminado apenas pelo brilho mortiço de seu cigarro. Mesmo saindo incólume da guerra, ele usa máscaras sociais para esconder sua verdadeira essência. Esse envolvimento com o mal lhe garante um desfecho significativo, muito conectado com o papel que desempenhou ao longo da história.
Porém, o bom desenvolvimento de personagens fica por aí. A pequena Louise (Heloise Balster), que acompanha Péricourt, e aparentava tanto destaque, atua apenas como tradutora do mascarado. Apesar de possuir talento e capacidade, a pequena não tem tempo de tela para entregar mais. O próprio Maillard se mostra apático. Responsável por ser o elemento conector entre os diversos plots, ele transita de um lado para o outro sem criar empatia com o público. Como consequência, as cenas em que aparece, acabam adquirindo um ritmo arrastado.
Esse sentimento de tédio também é consequência dos movimentos de câmera escolhidos. O diretor abusa de travellings e planos-sequência. Esteticamente, as técnicas enaltecem os cenários, porém se tornam cansativas ao olhar devido a repetição excessiva. Outro artifício utilizado à exaustão são os enquadramentos plongée e contraplongée, empregados aqui para demonstrar fragilidade e autoridade. Entre a série de decisões dúbias consta ainda os planos escolhidos para mostrar a deformação de Édouard. Esta nunca é exibida às claras, apenas sugerida em moldes de gesso e cirurgias reparadoras. Mesmo que o intuito dessa subjetividade fosse gerar repulsa e suspense pelo não visto, o sentimento final é que a solução foi derivada da falta de orçamento para efeitos visuais.
As atenções de Dupontel decerto ficaram mais voltadas para o design de produção, que reproduz com fidelidade a década em questão, bem como para o figurino, que transmite as intenções de seus personagens e possui uma apuração histórica. Entretanto, tais qualidades são eclipsadas pela iluminação inconstante que, muitas vezes, transforma cenas em um completo breu. Com o lançamento impulsionado pelo Festival Varilux de Cinema Francês, ‘Nos Vemos no Paraíso” concentra seu mérito nos quesitos técnicos, na representação dos loucos anos 1920 e na exaltação à língua francesa. A dica é aprender com a história e, ao sair da sessão, garantir ingressos para obras mais alegres e prósperas.
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Ficha Técnica
Ano: 2017
Duração: 117 min
Gênero: Crime, Drama
Diretor: Albert Dupontel
Elenco: Albert Dupontel, Laurent Lafitte, Nahuel Pérez Biscayart e Heloise Balster
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