Por Luciana Ramos

 

Chloé (Marine Vacth) é uma jovem de 25 anos que sofre de constantes dores de barriga. Sem um diagnóstico médico, ela é indicada para tratamento com um psicanalista, que reforça a teoria de que ela sintomatiza angústias reprimidas. A interação entre os dois – os relatos dela, um misto de debilidade emocional e necessidade de agradá-lo e as respostas dele, breves e encorajadoras – logo transmutam-se em um relacionamento afetivo.

Isso os leva a interrupção do tratamento (e melhora imediata dos sintomas) e tudo parece correr bem entre os dois, fora a implicância de Paul Meyer (Jérémie Renier) com o gato de sua namorada. Entretanto, uma casualidade leva-a a descobrir que ele lhe esconde seu sobrenome verdadeiro o que, por sua vez, desemboca no encontro com um homem idêntico a ele. A negativa enfática de Paul leva-a investigar quem seria o seu duplo, levando-a ao encontro com outro psicanalista, Louis Delord ( também interpretado por Jérémie Renier).

 

Embora absolutamente similares em aparência, há uma diferença extrema no comportamento dos dois homens: Paul trata Chloé com afetuosidade pontuada de pequenos encorajamentos; Louis, logo de início, mostra-se agressivo, provocador. Envolvida pelo jogo de mistério que se estabelece, ela aos poucos abandona o papel passivo, frágil, para refletir em suas atitudes uma postura mais parecida com a de Louis, ativa e dominante.

Esta jornada, por sua vez, externa a sua complexidade psicológica, revelando-se, assim, uma jornada de autodescobrimento. Nesse sentido, encaixam as diversas cenas de nudez e sexo presentes no longa, que refletem bem esse processo de descamação interior que revela o eu verdadeiro, algo refletido no desconfortável enquadramento vaginal do começo.

De fato, François Ozon aposta no desafio constante, reforçando imageticamente passagens que levantam suspeitas sobre a veracidade dos fatos. A trama envolve-se em uma aura de suspense psicológico, algo digno de cineastas como Alfred Hitchcock e Brian de Palma. A elevação constante do ritmo conduz o público a uma experiência fílmica mais ativa, marcada por pequenas interrogações que, somadas, conduzem ao desfecho revelador.

Apostando na ambiguidade, ele trabalha com enquadramentos sucessivos e metafóricos de espelhos, planos que forçadamente colam os rostos dos personagens em posições opostas e brincadeiras com diferentes angulações e inserções sonoras. O seu recurso visual mais interessante, no entanto, é a elaboração metafórica do estado mental de sua protagonista através do seu enquadramento com obras de arte ao fundo na galeria de arte onde trabalha.

 

 

Pautado na interação básica entre três personagens, o filme exige dos atores uma entrega completa. Jérémie Renier, que interpreta os gêmeos, oscila frequentemente de personalidades (por vezes na mesma cena), mesclando-as com mudanças de entonações sutis que galgam para um trabalho mais físico. Um processo similar acontece com sua companheira de cena, Marine Vacth. Ela reflete a crescente paranoia de sua personagem com olhares expressivos, desconfiados, e mudanças paulatinas no modo como interage com os outros. Seu talento aparece nitidamente nas telas e é determinante para que o filme se concretize.

Através da temática do “gêmeo mal”, “O Amante Duplo” trabalha entre o pesadelo e o delírio, os limites da realidade e fantasia. Estabelecendo metaforicamente o ventre como motriz, externa a dualidade comum a cada ser humano, forçosamente comparando opostos em um jogo de passividade e dominância. Provocador, Ozon molda uma experiência que desafia na medida certa, retirando o espectador do seu lugar comum para, assim como Chloé, lançar-se sob uma jornada investigativa que levará a descoberta do que é real.

 

*Essa crítica faz parte da cobertura do Festival Varilux de Cinema Francês 2018

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2017

Duração: 107 min

Gênero: drama, suspense

Direção: François Ozon

Elenco: Marine Vacth, Jérémie Renier, Jacqueline Bisset

 

Trailer:

 

 

 

Imagens:

Avaliação do Filme

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