Por Felipe Galeno

 

Há uma certa sequência na metade de “O Céu da Meia Noite” que começa com o elenco compartilhando um leve momento musical e termina com um acontecimento trágico. Alguém que assistisse apenas a esse momento isolado poderia ficar em dúvida se o resto do filme segue o caminho otimista do início da cena ou o tom melancólico de seu desfecho, mas a verdade é que a nova produção original da Netflix não vai exatamente por nenhum dos dois lados. O resultado, na verdade, termina no meio do caminho entre o otimismo e a melancolia: a indiferença.

O filme é baseado no romance de ficção-científica “Good Morning, Midnight”, de Lily Brooks-Dalton, e acompanha, simultaneamente, as jornadas do cientista Augustine (George Clooney), ilhado no Ártico enquanto uma catástrofe apocalíptica assola o mundo; e dos tripulantes da nave Aether, que está no meio do caminho de volta à Terra depois de uma missão de exploração em uma lua de Júpiter. Além de estrelar, Clooney também assume a direção do longa, que já é o projeto mais caro – e, diga-se de passagem, ambicioso – de sua irregular carreira como diretor.

Clooney tem em mãos um material potencialmente complicado, já que são dois núcleos narrativos diferentes tomando o centro do filme ao mesmo tempo – um com o astronauta isolado, outro com os astronautas no espaço. E, por mais que exista uma conexão clara e direta entre as duas seções do plot, a forma como o cineasta as organiza em tela acaba deixando a sensação de “dois filmes em um”. O diálogo entre um núcleo e outro nunca consegue encontrar uma harmonia e as duas partes da trama acabam soando bem mais apartadas uma da outra do que deveriam.

Se em conjunto há esse desacordo, individualmente os núcleos enfrentam o problema da mediocridade. Não chega a ser uma questão de as subtramas não “funcionarem”; eles funcionam, mas apenas de forma razoável. A execução do longa joga o tempo todo com escolhas seguras, tanto nos caminhos que a história toma quanto na maneira como se organiza formalmente. Essas decisões, ao mesmo tempo que salvam a produção de um resultado terrivelmente ruim, também o privam de qualquer possibilidade mais marcante. Isso gera um filme que está sempre na medida do adequado, que é interessante durante a sessão mas que nunca tem o peso que poderia ter. Ele até esboça algo da grandiosidade imersiva que esse tipo de ficção-científica costuma oferecer, ou da emoção catártica de um drama apocalíptico, mas não chega a concretizar nenhuma das duas coisas.

Enquanto as escolhas do Clooney diretor decepcionam um pouco, o Clooney ator é um pouco mais feliz em suas opções. O rosto de seu Augustine sempre carrega a melancolia do personagem sem abafar por completo o carisma inerente à persona do ator, mesmo que a direção termine resumindo todo o seu drama a um clichê pouco engajante. Está longe de ser a performance mais fascinante de sua carreira, mas é um trabalho que ao menos ajuda a fazer com que algumas cenas do arco terrestre chamem mais atenção. Já no núcleo espacial, o elenco também conta com alguns nomes conhecidos e talentosos (Felicity Jones, David Oyelowo, Kyle Chandler), mas que tem pouco para fazer justamente por causa da postura indiferente do longa. O roteiro garante um outro momento simpático para cada um deles, mas parece ter medo de explorá-los a fundo, e não deixa que a relação do espectador com os personagens vá além do superficial.

Essa relação acaba sendo um reflexo de toda a experiência de “The Midnight Sky” (no original) para quem assiste. Há momentos e cenas que esboçam despertar algum interesse no espectador, mas não passa muito tempo até que nossa atenção seja perdida. É um filme que parece ter medo de “dar errado”, de tentar algo que não funciona, mas que, com isso, acaba também preso ao lugar-comum, contentado com a mediocridade. Talvez o elemento mais prejudicado por isso seja o tom do filme, que até caminha por possibilidades mas se encerra no blasé, no indiferente.  O resultado final é um longa que pode até render uma razoável sessão despretensiosa na Netflix, mas que não constrói nada muito memorável em quem assiste.

FICHA TÉCNICA

Ano: 2020

Duração: 122 min

Gênero: ficção-científica, drama

Direção: George Clooney

Elenco: George Clooney, Felicity Jones, David Oyelowo,
Caoilinn Springall, Kyle Chandler, Tiffany Boone

Avaliação do Filme

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