Por Luciana Ramos

 

Amy Loughren (Jessica Chastain) é uma enfermeira dedicada que passa as noites ajudando seus pacientes, entre pausas para refeições pouco dignas e escapadas para recuperar o fôlego. Sofrendo de uma cardiomiopatia grave, corre sérios riscos de ter um derrame, mas se sente impelida ao trabalho pela necessidade de obter um plano de saúde. A estafa é potencializada pelas preocupações de ordem emocional – as duas filhas pequenas – e financeira. Embora tente manter um otimismo reticente, sua vida é um retrato duro de como os Estados Unidos tratam os profissionais de saúde básica.

As coisas parecem mudar de figura com a chegada de Charlie Cullen (Eddie Redmayne), reforço na equipe noturna que parece sempre disposto a ajudar os pacientes e anuviar o clima. Ele se torna confidente e porto seguro da Amy, traçando com ela um companheirismo descompromissado que parece ser benéfico a ambos. Após a morte súbita de uma mulher internada com uma reação alérgica a antibióticos, a dinâmica dos dois começa a paulatinamente mudar.

Um processo administrativo é aberto pelo hospital, embora seja delineado como uma obrigação burocrática a ser enfrentada o mais rapidamente possível. A conduta vaga e apressada da instituição chama a atenção da divisão de homicídios de Nova Jersey e, após um olhar mais criterioso, os detetives Danny Baldwin (Nnamdi Asomugha) e Tim Braun (Noah Emmerich) são surpreendidos por indícios de más práticas de Cullen que se somam há mais de uma década.

Entrelaçam-se, a partir daí, as duas pontas da narrativa, já que eles precisam de Amy para a produção de provas robustas que embasem a teoria criminal. Assustada com a possibilidade de seu colega e amigo ser um assassino frio, ela se desdobra entre o ímpeto moral de ajudar as autoridades e a apreensão pela segurança de sua família, o que invariavelmente começa a produzir impactos na sua frágil saúde.

Adaptado do livro de Charles Graeber, que detalhou o modus operandi de um dos serial killers mais prolíficos dos EUA, o filme dirigido por Tobias Lindholm (roteirista de “Druk – Mais uma Rodada”) aposta na ficcionalização de partes dos eventos, como nomes e sequências cronológicas, para tecer uma história que se propõe a transcender o true crime. Ao invés de focar no vouyerismo de mortes recorrentes ou apelar aos instintos investigativos do público, investe-se em uma narrativa mais morna e cirúrgica, por assim dizer. Não se pode negar a disposição de inúmeros elementos dramáticos, mas estes são devidamente contrabalançados por uma atmosfera que foca na reflexão sobre o sistema de saúde como um todo.

Assim, ao invés de se perguntar os motivos de ação do assassino, questiona-se sobre a inação dos hospitais: trata-se de dinheiro, irresponsabilidade cívica, medo de responsabilizações judiciais ou tudo junto? A crítica se complementa pela jornada da protagonista, que se dedica a melhorar a saúde alheia sem ter condições dignas de tomar conta da sua.   

É um caminho interessante o traçado pelo roteiro de Krysty Wilson-Cairns, com resultados conflitantes. Se por um lado, as linhas gerais compõem um bom arsenal crítico, por outro falta a pungência de realmente colocar o dedo na ferida, como na excelente minissérie “Dopesick” (2021), sobre o vício em opioides nos EUA. Um maior aprofundamento na estrutura comercial dos grandes hospitais, os conflitos éticos e desdobramentos dessas escolhas nas mortes de pessoas inocentes seriam bem-vindos. Ou talvez, a aposta em tons mais sombrios, um flerte mais abrangente com o suspense, como no cult “Coma” (1978), proporcionaria uma maior complexidade narrativa ao filme.

Do modo como foi construído, “O Enfermeiro da Noite” requer uma apreciação distante e anticlimática que dificulta a sua fixação na mente do espectador – principalmente considerando a quantidade de estímulos do streaming. Ainda assim, possui seus méritos ao explorar com eficácia um dos traços mais nefastos e apelativos do true crime: a de que um criminoso frio e cruel pode estar ao seu lado.

Ficha Técnica

Ano: 2022

Duração: 2h 01 min

Gênero: suspense, drama, true crime

Direção: Tobias Lindholm

Elenco: Jessica Chastain, Eddie Redmayne, Nnamdi Asomugha, Noah Emmerich

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