Por Luciana Ramos

 

Em 2007, o lançamento de “Ó Paí Ó” provocou uma curiosa repercussão: enquanto críticos se desdobravam para maldizer a falta de rigor estético do filme, o público o abraçava, consagrando-o como um sucesso arrebatador. Aos poucos, foi se procurando entender a essência desse fenômeno, fazer as pazes com o abismo de interpretação. Capitaneado pelo Bando de Teatro Olodum, a obra permaneceu relevante em citações na internet e na memória popular. Do hit, até surgiu uma série curta, mas engraçada para a televisão.

Quinze anos depois, a sua sequência invade o cinema com o mesmo misto de força e irreverência. A ideia é preencher as lacunas das vidas desses personagens debochados, provocativos, meio dados a brigas, mas certamente unidos. Como mote, há a perda do bar de Neusão (Tânia Toko), que foi comprado por um corretor pouco ético e revendido para um comerciante coreano.

Impõe-se aí, de maneira leve e palatável, uma reflexão a respeito da perda de um espaço histórico e identitário para mãos completamente alheias à importância cultural do Pelourinho. A gentrificação, como bem coloca uma criança, é apenas uma face dos problemas enfrentados pelo local. Os moradores reagem à notícia com união: se Neusão não consegue deter a venda do seu ganha-pão sozinha, talvez juntos eles possam fazer a diferença.

Para isso, contam com a ajuda dos adolescentes – que foram criados em outra esfera, globalizada e informatizada – para angariar informações relevantes. Já no campo financeiro, decidem angariar fundos na festa de Iemanjá, outra comemoração característica que vem se elitizando. Nesse caso, Reginaldo (Érico Brás), Yolanda (Lyu Arrisson), Baiana (Rejane Maia) e os demais decidem usar isso a favor deles, impulsionados pela promessa de sucesso de Roque (Lázaro Ramos), que finalmente consegue lançar uma música comercialmente.

Infelizmente, este tem seus sonhos suspensos logo de cara, impondo uma segunda reflexão ao filme: a apropriação dos símbolos, melodias e vivências negras por músicos brancos. Essa é uma discussão extremamente relevante e antiga (basta lembrar do caso do álbum “Nêga Lôra”, de Claudia Leitte), mas é bem fundamentada na obra cinematográfica, equilibrando assertividade e dinamismo.

Em maior ou menor grau, outros temas são discutidos ao longo da produção, como o amor, a resistência negra, a dor do luto, acolhimento, comunidade e a potência das novas vozes – seja no slang ou na melhor compreensão da dinâmica social. Conforme esperado, dado o grande número de personagens, nem todos conseguem espaço de tela suficiente; alguns, como Psilene (Dira Paes), aparecem como cameos luxuosos. A própria Neusão é vítima dessa configuração, visto que sua verve cômica é menos explorada do que na obra anterior, mesmo servindo de fio condutor da história.

A fluidez de enquadramentos e roteiro segue a fórmula já consagrada, abrindo espaço para improvisações que criam boas piadas e servem para alavancar o filme como um todo. Em contraponto, a falta de uma boa arquitetura narrativa é sentida, em especial quando recursos mágicos (como a cena no Dique do Tororó) ou descabidos aparecem para sanar repentinamente os problemas do grupo de amigos.

Em meio a acertos e erros, prevalece a importante mensagem. “Ó Paí Ó 2” é um filme sobre união e resistência, tanto dos seus personagens quanto do cinema em si. A continuação é lançada após anos tenebrosos para a cultura e, não à toa, a tônica de luta e sobrevivência ecoa profundamente ao longo da projeção. É um filme-manifesto que, ao refletir sobre a dinâmica da vida do Pelourinho, entretém e convida ao engajamento – sempre com muito humor e música boa.   

Ficha Técnica

Ano: 2023

Duração: 1h 30m

Gênero: comédia

Direção: Viviane Ferreira

Elenco: Lázaro Ramos, Tânia Toko, Luciana Souza, Dira Paes, Lyu Arisson, Érico Brás, Clara Buarque, Rejane Maia, Edvana Carvalho, Thiago Marinho, Luis Miranda

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