Por Luciana Ramos

 

Viúvo e aposentado à força, Otto (Tom Hanks) se vê sem motivos para continuar. Há muito se fechou para o mundo e parece possuir a habilidade de se irritar com qualquer coisa que interfira em sua rotina excessivamente calculada, inclusive suas tentativas de dar um fim a tudo. É exatamente em um desses momentos que o homem se vê distraído pela péssima direção do novo vizinho, que não consegue estacionar o carro de mudança.

Embora não tenha emitido mais que alguns grunhidos, a interação fornece a Otto a oportunidade de conhecer a solar – e levemente sem noção – Marisol (Mariana Treviño), seu “marido inútil” Tommy (Manuel Garcia-Rulfo) e as duas filhas. A insistência da mulher em oferecer comida em troca de pequenos favores irrita-o, mas, por algum motivo, ele cede às suas vontades. Caminhando pelo pequeno condomínio onde mora, Otto é infectado pela convivência de vizinhos (ou, ao menos, é como percebe) e, assim, forçado a reavaliar seus comportamentos.

Sendo esta uma história em molde clássico e um tanto clichê, acompanha-se a progressão da humanidade do protagonista, que redescobre o valor de viver ao se sentir acolhido por sua comunidade. Os seus pequenos passos em direção a civilidade são contrapostos a pequenas inserções em flashback que o apresentam como um jovem idealista e sem dinheiro capaz de fazer tudo para agradar a bela Sônia (Rachel Keller). Em meio a sucessão de entraves que o fizeram endurecer, costura-se uma crítica muito de leve à construtora dona do local, sempre ávida em desumanizar seus moradores em troca de lucro.

Essa questão é resolvida em uma rápida passagem cômica, usando as redes sociais como muleta de exposição. A escolha em tratar temas de extrema relevância com a superficialidade característica da leveza perpassa toda a trama, sendo mais notada na falta de maior desenvolvimento do personagem Malcolm (Mack Bayda), um homem trans que foi expulso de casa por intolerância e vê em Otto um reflexo de Sônia, sua antiga professora.

A mesma simplicidade é notada na estética de Marc Forster. Diretor de “Em Busca da Terra do Nunca” e “Mais Estranho Que Ficção”, ele possui não só o entendimento do material – incluindo a necessidade de equilíbrio entre comédia e drama para dar certo – como a sensibilidade de indicar pequenos pontos de contato entre as camadas temporais, como reflexos no espelho ou planos de detalhes que acendam em Otto alguma fagulha da sua versão idealista.

A inspiração, infelizmente, não se estende além do estritamente necessário, já que “O Pior Vizinho do Mundo” se parece demasiadamente com “Um Homem Chamado Ove” (2015), obra sueca e indicada para o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro que inspirou a adaptação. A frieza de tons, os enquadramentos ou mesmo a forma como o protagonista parece refletir a inospitalidade do frio estão presentes na narrativa, que permanece boa pela força de seu roteiro original – mesmo levemente esvaziado, proporciona catarse em um invólucro agradável.

Hanks parece perdido ao começo, sem saber o que fazer com a expressão carrancuda que lhe corrói, fornecendo uma performance um pouco fora do tom. Caminhando progressivamente para o conforto da sua imagem de nice guy, vai se entregando ao material, mas nunca o transcende. Já Mariana Treviño está ótima como a extrovertida Marisol, revestindo-a de uma energia forte e agradável, capaz de amenizar seus traços mais intrometidos. Entre eles, traça-se uma boa dinâmica, que carrega o filme a um tom acolhedor. “O Pior Vizinho do Mundo” é um filme good vibes o suficiente para os entusiastas do modelo – invariavelmente aquém do produto original, mas certamente uma ótima experiência.

Ficha Técnica

Ano: 2022

Duração: 2h 06 min

Gênero: comédia, drama

Direção: Marc Forster

Elenco: Tom Hanks, Mariana Treviño, Rachel Keller, Juanita Jennings, Mack Bayda, Truman Hanks

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