Por Melissa Vassalli

Oh Lucy! é o primeiro longa-metragem da diretora Atsuko Hirayanagi. Baseado em um curta homônimo lançado por ela alguns anos antes, o filme conta a história de Setsuko Kawashima (Shinobu Terajima), uma mulher que leva uma vida monótona em Tóquio. Ela não tem amigos no trabalho, possui uma relação conturbada com a irmã – que na juventude lhe roubou um namorado – e vive num grande centro urbano onde o suicídio se tornou habitual. Solitária e insatisfeita consigo mesma, Setsuko ganha uma nova perspectiva quando se matricula em um curso de inglês pouco convencional, por insistência de sua sobrinha Mika (Shiori Kutsuna).

John (Josh Hartnett), o professor, é extrovertido e tem um método de trabalho alternativo, em que os alunos precisam adotar identidades americanas para estudar – e eles usam até mesmo perucas para isso. É assim que Setsuko assume o alter ego de Lucy. Durantes as aulas, sentimentos reprimidos despertam nela, que se apaixona por John. Ao descobrir que ele é, na verdade, amante de Mika e que os dois estavam fugindo para os Estados Unidos, Setsuko se vê obrigada a retomar contato com sua irmã e, juntas, elas embarcam para a Califórnia, na tentativa de encontrar o jovem casal.

O filme surpreende pela sensibilidade do roteiro e da direção. Algumas cenas são muito engraçadas, mas não tiram o foco do drama particular que cada personagem vive. Ao transitar entre o trágico e o cômico, Hirayanagi evidencia conflitos entre os protagonistas e expõe suas contradições, além de equilibrar a narrativa.

A mudança de país permite que Lucy se manifeste plenamente na história. Se Tóquio é, na maior parte do tempo, cinza, com espaços apertados e sempre cheios de gente, a Califórnia é ensolarada e ampla. O quarto de hotel é maior que o apartamento em que a protagonista vive, e mais organizado também. A bagunça acumulada em sua casa é tanto reflexo da limitação física do lugar, como metáfora para sua confusão emocional. Setsuko se mistura aos seus pertences, enquanto Lucy se liberta para ser quem quer ser. Mas, na tentativa de ser despojado, decidido e hedonista, este alter ego não pesa as consequências que suas atitudes terão posteriormente.

A relação entre ego e alter ego é constantemente retomada pelo filme, que nos mostra que além da personagem principal, os demais igualmente mudam seus comportamentos em situações públicas e privadas, e há inclusive um cuidado em alterar a caracterização deles para representar isso. O próprio John, quando deixa a função de professor, troca suas roupas, seu penteado, sua expressão. E isso é, em certa medida, o que nós também fazemos. E, embora seja problemático quando nossas fantasias interferem diretamente em nossas vidas, ter alguns momentos de escape pode ser a única forma de lidar com o peso do cotidiano. A beleza deste filme está em mostrar que ninguém é só aquilo que notamos à primeira vista. Todo mundo sempre tem uma história a mais para contar.

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2017

Duração: 95 min

Gênero: drama

Diretor: Atsuko Hirayanagi

Elenco: Shinobu Terajima, Kaho Minami, Shiori Kutsuna, Koji Yakusho, Josh Hartnett

 

Trailer:

Imagens:

Avaliação do Filme

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