Por Luciana Ramos

Menino prodígio do cinema, o autodidata Quentin Tarantino fez fama e fortuna ao redor do mundo com suas tramas surpreendentes e divertidas, unindo uma boa dose de violência a discursos eloquentes, muitas vezes sobre amenidades cotidianas.

Em seu oitavo filme, ele transporta suas fórmulas estéticas e narrativas para um western pouco convencional, explorando a clausura em uma cabana cercada de gelo ao invés das panorâmicas desérticas conhecidas do gênero.

O longa é o resultado da polêmica envolvendo o vazamento do roteiro por um agente e quase desistência do projeto por parte de Tarantino. Resolvido o dilema, a obra projetada nas telas, ainda que contenha momentos interessantes, revela uma derrocada criativa do artista: perdido em meio a grandiloquência dos seus diálogos, entrega um filme excessivamente longo e parado.

Ao início, o espectador pode contemplar a visão panorâmica de uma estrada cercada por gelo e nada mais. O primeiro impacto é positivo, dado o uso da Super Panavision 70, que amplia o campo de captação da imagem. Logo surge o primeiro dos oito odiados, o caçador de recompensas Major Marquis Warren (Samuel L. Jackson), à deriva em meio ao nada e carregando consigo três corpos.

 

Ele intercepta a diligência de outro profissional da área, John Ruth (Kurt Russell), que adota outro método de trabalho: prefere levar seus capturados vivos para serem enforcados, caso de Daisy Domergue (Jennifer Jason Leigh), também a bordo.

A caminho da cidade de Red Rock, ainda fornecem carona ao xerife novato Chris Mannix (Walton Goggins), mas todos são forçados a se abrigarem no Armarinho da Minnie à medida em que uma nevasca se aproxima. Lá deparam-se com outros clientes: o erudito Oswaldo Mobray (Tim Roth), o calado Joe Gage (Michael Madsen), o General Sandy Smithers (Bruce Dern) e o mexicano Bob (Demián Bichir). Configuram-se assim os oito elementos da trama, que ainda contam com a presença do cocheiro O.B. (James Parks).

Obrigados a conviverem enquanto aguardam a mudança do tempo, essas pessoas de caráter questionável suspeitam umas das outras em uma série de provocações e discussões acerca das suas identidades e interesses. Aos poucos, os conflitos vão se acirrando, culminando em uma série de reviravoltas.

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Estas, no entanto, aparecem somente ao final do terceiro capitulo (são cinco, no total), resultando em um marasmo cercado por belas palavras. Tarantino, conhecido pela ênfase nos diálogos, postergou demasiadamente a ação e consequente desenrolar do enredo, o que provocou um efeito muito negativo no filme como um todo, que não deixa de soar arrastado e verborrágico.

A situação é agravada pelo teor das discussões: salvo exceções, falta o brilhantismo da coloquialidade dos diálogos. Estes parecem sem outro propósito além do de chocar o público com ofensas racistas e sexistas, um clichê adotado em seus longas anteriores, como “Django”, mas levado ao extremo aqui, beirando o mau gosto.

O quarto capítulo, que catapulta a trama, preenche os requisitos esperados do seu público habitual, num banho de sangue muito bem coreografado. Porém, a excitação dos acontecimentos é seguida por um flashback morno que, além de desnecessário, quebra a dinâmica do filme, relegando-o mais uma vez ao marasmo.

 

Por outro lado, “Os Oito Odiados” possui o apelo estético característico dos filmes do diretor, sendo o uso do Super Panavision 70 um atrativo extra para atrair seus fãs do cinema. A amplitude concedida ao Armarinho da Minnie, onde é passada a maior parte do filme, fornece uma riqueza de detalhes em cada enquadramento, além da possibilidade da exploração de planos compostos, onde mais de um personagem conduz a ação ao mesmo tempo.

Ainda que seja interessante pela experiência visual proporcionada, o seu uso não é plenamente justificado, já que o intuito de tal equipamento é a exploração de espaços externos. Assim, ao final do longa, fica a impressão de desperdício de um artificio tão caro (em entrevista, ele declarou que teve que importar as lentes de diversas partes do mundo) em um filme de cunho claramente teatral, além da sensação da sua adoção como simples estratégia de marketing.

Em contraponto, cabe salientar a já citada exuberância da cenografia e dos figurinos, bem demarcados e expositivos acerca da personalidade de cada um dos oito odiados. Também como destaque há a trilha sonora de Ennio Morricone, que explora o seu conhecimento como responsável pelas melodias dos westerns spaguetti de Sergio Leone em uma composição retumbante. No entanto, aqui há também um mau aproveitamento por parte do diretor do seu material, já que a trilha só aparece ostensivamente no início e final do filme, sendo o resto marcado pelo silêncio.

Quanto às atuações, Samuel L. Jackson é o principal destaque, unindo presença imponente a pontuação mordaz de cada palavra proferida. Kurt Russel e Tim Roth também desempenham bons trabalhos, concedendo profundidade aos seus personagens por meio de pequenas expressões e atitudes. Já a atriz Jennifer Jason Leigh, indicada ao Oscar pelo papel, parece estar um tom acima do desejável, exagerando nos gritos e expressões de tempos em tempos.

Diante de tantos problemas, ainda que seja visualmente interessante, “Os Oito Odiados” não deixa de decepcionar. Verborrágico, além de absolutamente previsível e didático em seu final, é o pior trabalho de Quentin Tarantino em anos; talvez, de toda a sua carreira. Esperemos que o seu nono filme volte à qualidade criativa de filmes como “Pulp Fiction” e “Bastardos Inglórios”, que encantaram audiências com sua sagacidade.

 

Ficha técnica 


Ano:
 2015

Duração: 187 min

Nacionalidade: EUA

Gênero: Crime, Drama, Mistério

Elenco: Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh, Tim Roth

Diretor: Quentin Tarantino
Trailer:


Imagens:

 

 

 

 

Avaliação do Filme

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