Por Luciana Ramos
O mar é mãe, memória, pensamento. Assim começa “Panquiaco”, filme da diretora Ana Elena Trejera. No seu misto de documentário e ficção, o rio panamense simboliza a divisão de um homem que há muito deixou sua tribo para se alojar nas terras portuguesas. Agora, com saudades, se vê impossibilitado de voltar pois já perdeu a conexão cultural com o seu povo. Com a alma presa nos afluentes, metade de um lado, metade de outro, deve adentrar em uma jornada de reconexão com as origens.
Cebaldo de Léon trabalha como pescador em Portugal e preenche a solidão dos seus dias sentado no bar, onde compra rachadinhas e escolhe músicas na jukebox. O semblante calmo não esconde a melancolia do seu olhar, uma expressão de nostalgia que o vai consumindo por dentro. Após a morte do pai, decide homenageá-lo regressando à aldeia de Guna Yala, onde percebe sua desconexão com a ancestralidade. Tendo abandonado o local onde nasceu e nunca completamente incorporado os costumes de onde vide, ele permanece em um limbo comum a imigrantes, potencializado pelas suas origens indígenas.
De certa forma, como explicita a conexão que a diretora faz da sua jornada com a de Panquiaco, indígena que guiou o descobridor espanhol Vasco Nunez de Balboa às terras do Panamá, a sua história marca a quebra cultural de um povo, o desprezo da ancestralidade em prol de uma existência urbana não tão compensadora. O retorno à terra, portanto, é um resgate de fragmentos de memórias, que juntos podem lhe auxiliar na reconexão. Outro instrumento é água, metaforicamente símbolo da separação, mas também da purificação e, assim, do renascimento.
A construção narrativa mescla o aspecto documental da jornada de Cebaldo a interações ensaiadas que visam explorar o seu dilema. Este, cabe salientar, não é exclusivo, visto que representa um movimento comum a diferentes tribos, marcadas pela perda de histórias, de tradições e de um modo de vida ancestral que fragmenta a identidade de cada filho da tribo.
O realismo frio e estático dos planos em Portugal é contrastado com uma câmera trêmula e granulada que caminha entre as folhagens da selva e os rostos das aldeias, enfatizando o tom nostálgico da produção. O terceiro componente é a animação, que aparece para apresentar didaticamente a história de Panquiaco e a ira despertada pelo seu comportamento.
Entre camadas interpretativas pontuadas por diferentes texturas, o filme de Trejera compõe um interessante panorama sobre origem, identidade e pertencimento, embora se alongue demais em algumas passagens, o que torna a experiência um tanto cansativa.
*Essa crítica faz parte da cobertura da 44ª Mostra Internacional de Cinema de SP
Ficha Técnica
Ano: 2020
Duração: 84 min
Gênero: documentário
Direção: Ana Elena Trejera