Com um extenso tapete vermelho que culmina em uma escadaria, o Festival de Cannes firmou-se ao longo dos anos não só pela seleção de excelentes produções como também por ser uma plataforma de reafirmação do glamour do mundo do cinema. Durante seus dias de exibição, estrelas posam para fotógrafos em trajes de gala, prontas para assistirem às exibições e promoverem seu material.
Na 69ª edição, o filme escolhido para abrir o festival foi “Café Society”, de Woody Allen, fruto da sua pomposa parceria com a Amazon, que ainda inclui uma série via streaming estrelada por Miley Cyrus. No entanto, os comentários sobre seu novo longa foram sufocados por muita polêmica envolvendo a vida pessoal do diretor e uma piada sobre estupro, referencia às alegações da sua filha biológica Dylan Farrow, que afirmou em 2014 ter sido abusada por ele durante a infância.
O gatilho para tamanho mal estar foi feito por outro filho, Ronan Farrow. Em um artigo intitulado “My Father, Woody Allen, and the danger of questions unasked” (que pode ser traduzido como “Meu pai, Woody Allen, e o perigo das perguntas não respondidas”), ele provocou uma discussão sobre como o reconhecimento dos filmes do seu pai pela indústria e público atuariam como legitimadores de um comportamento abusivo e serviriam, portanto, para coibir vítimas de abuso de procurarem justiça.
As alegações de Dylan Farrow foram descreditadas na época pelo próprio Allen em um artigo no The Hollywood Reporter. Vale ressaltar que essa não é a sua primeira polêmica, visto que ele se casou com a filha adotiva da esposa, Soon-Yi. Como se não bastasse, em entrevista recente, afirmou que se orgulhava do fato de poder ter melhorado a vida da mulher e lhe apresentado cultura e conhecimento, contrastando a sua fase adulta ao sofrimento passado por ela enquanto criança (ante da adoção) e assumindo um certo “caráter paternalista” na relação dos dois, uma declaração no mínimo bizarra.
Eis que todo o furor da notícia acabou contaminando o Festival de Cannes. Após desfilar ao lado de Steve Carell, Blake Lively, Kristen Stewart e Jesse Eisenberg, ele seguiu para o jantar de abertura, onde o comediante francês Laurent Lafitte, disse: “É muito legal que você tenha filmado tantos longas na Europa mesmo sem ter sido condenado por estupro nos Estados Unidos”. A atmosfera, como era de se esperar, mudou completamente, e a alegria anterior virou embaraço generalizado.
Em resposta, o diretor declarou em um almoço para a imprensa: “Eu sou totalmente a favor de comediantes fazerem as piadas que quiserem. Eu sou uma pessoa que não julgo ou censuro piadas. Eu mesmo sou comediante e sinto que cada um deve falar o que quiser”.
A atriz Blake Lively, uma das estrelas de “Café Society”, saiu em defesa de Allen, declarando: “Eu acho que quaisquer piadas sobre estupro, homofobia ou Hitler não são piadas. Foi uma coisa difícil de engolir por 30 segundos. Festivais de cinema são uma coisa linda e acho que isso não teria acontecido na década de 40. Foi desapontador para com os artistas presentes na sala que alguém tenha aproveitado para fazer piadas sobre algo que não é engraçado”.
Os próximos dias de evento devem enterrar a notícia mas o mal estar causado perdurará. Enquanto isso, como Ronan Farrow descreveu em seu artigo, Woody Allen continua a ser exaltado pela qualidade do seu material cinematográfico.
“Café Society” deve estrear no Brasil no dia 27 de outubro. Passado nos anos 30, evoca a velha Hollywood em trama onde James (Jesse Eisenberg) vai tentar a sorte em Los Angeles e acaba se apaixonando pela filha do seu chefe, Theresa (Kristen Stewart). O trailer da obra pode ser conferido aqui.