Por Luciana Ramos

Margot (Sandrine Kimberlain), aproximando-se da meia idade, encontra-se em pleno “ano sabático” (primeira de muitas justificativas do roteiro sem aprofundamento), mas transita entre tarefas cotidianas enfadonhas, que sedimentam a insatisfação com a sua vida. A obrigação de revisitar Paris para o enterro de uma amiga com quem perdeu contato há muitos anos a leva a adentrar uma festa recheada de jovens, onde não consegue esconder seu deslocamento.

Lá, depara-se com uma mulher de 20 anos, também chamada Margot (Agathe Bonitzer), e a sequência de similaridades as levam a perceber que elas são a mesma pessoa. A falta de objetividade deste fato se deve, em parte, pela diferença física das atrizes, que tenta ser amenizada pela reprodução gestual.

Se a jovem desqualifica qualquer potencialidade do encontro, assustada com a situação, a sua versão mais madura vê o surreal acontecimento como forma de retomar o seu rumo ao corrigir erros antigos, como o uso do sexo como forma de preenchimento de um vazio existencial latente.

Com sua insistência, ela conquista a confiança da garota e ambas, através do convívio, buscam tirar alguma vantagem da situação. Entregando-se em confidências, elas percebem estarem unidas pela inquietude de quem não se encontra satisfeito, o que proporciona um questionamento muito maior: se o sentimento perdura em momentos tão diferentes, seria possível para alguma versão de Margot encontrar plenitude?

A situação se intensifica com o envolvimento de ambas com Marc (Melvil Poupaud), tratado com certa naturalidade pelas mulheres, que não adiciona muito à trama pela superficialidade com que é tratado. O plot em si é danoso por atrelar a diferença de comportamentos delas quanto ao sexo e intimidade a proposições vazias, como o amadurecimento, sem de fato trabalhar a questão. Ademais, o delineamento do personagem masculino como um ser capaz de provocar interesse e engajamento de ambas as versões de Margot não é eficaz.

Construções narrativas falhas permeiam toda a trama, tirando um pouco o brilho deste tipo de premissa, tão arraigada ao conceito de engrandecimento pessoal. Este é rapidamente descartado pela roteirista e diretora Sophie Fillières, que ainda abdica de contextualizações importantes ou mesmo da inserção de uma visão mais filosófica sobre o assunto, relegando-se a contar a jornada de suas protagonistas pela forma lacônica como ambas se referem aos seus desejos.

Dessa forma, o filme não tem muito a oferecer, apesar de se propor a construir um panorama interessante sobre o sexo feminino. Esta sensação é contribuída pela ausência de humor, um recurso característico que poderia acentuar o envolvimento emocional com a personagem dividida em dois corpos. A direção formalista acompanha o roteiro, atendo-se a enquadramentos básicos e inclusão de recursos estéticos clichês, como o uso de espelhos para unir os reflexos das Margot.

Assim, “Quando Margot Encontra Margot” mostra-se um pouco cru, carente de maior atrevimento narrativo e, por isso, decepcionante. É um desperdício da ótima atriz Sandrine Kimberlain, mais apática do que o usual no papel, incapaz de moldar mais concretamente a sua Margot, contrapondo o olhar passivo à forma insistente e afirmativa com que decide ajudar sua versão mais jovem, um paradoxo que causa incômodo.

Ficha Técnica

Ano: 2019

Duração: 95 min

Gênero: comédia

Diretor: Sophie Fillières

Elenco: Sandrine Kimberlain, Agathe Bonitzer, Melvil Poupaud

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Avaliação do Filme

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