Por Luciana Ramos

Quando foi lançada no circuito off-Broadway em 2015, a peça “Dear Evan Hansen” agradou tanto o público que migrou para um dos grandes teatros nova-iorquinos e, no ano seguinte, foi congratulada com seis Tonys, incluindo o de Melhor Ator para Ben Platt. Este viu sua carreira decolar: lançou álbuns e atuou em alguns papéis no cinema e televisão, sendo o de maior destaque a (péssima) série “The Politician”, de Ryan Murphy.

A indústria do entretenimento não deixaria de capitanear em cima de um produto cultural com tamanho rendimento e começou o processo de adaptação para o cinema logo depois. Mas, quando o primeiro trailer foi lançado, chuvas de críticas circularam nas redes sociais, demonstrando a fragilidade da produção – mais notoriamente na decisão de manter Platt no papel principal.

Supostamente fidedigno à obra originária, o filme conta a história de Evan Hansen (Ben Platt), um jovem de dezessete anos que luta contra a ansiedade. Sob indicação do terapeuta, ele começa a escrever cartas endereçadas a si mesmo que misturam incentivos e vazão emocional em poucos parágrafos. Uma dessas, porém, vai parar por engano nas mãos de Connor Murphy (Colton Ryan), que tira sua própria vida pouco tempo depois.

Os pais do garoto, Cynthia (Amy Adams) e Larry (Danny Pino), em posse da carta, se regozijam com o fato de que supostamente Connor tinha um único amigo e procuram Evan para saberem mais detalhes. Tomado pela ansiedade em tentar não agravar os sentimentos dos dois, este confirma a teoria com uma elaborada história que ressoa na sua experiência pessoal. Tomado pela projeção que ganha com o fato, Evan se reconforta com a adulação, o amor e a validação conquistados a base de uma mentira, e decide expandi-la ao máximo. Sob o seu ponto de vista, o filme usa a sua condição mental para justificar péssimas decisões – inclusiva a de se envolver romanticamente com a irmã de Connor, Zoe (Kaitlyn Dever) – e, dessa forma, traz à tona a fragilidade da narrativa.

A sua intenção é tocar em temas relevantes, como suicídio, depressão e ansiedade, mas o conduz de forma desequilibrada, ora apelando para a clara manipulação emocional do espectador, ora esquivando-se de maior aprofundamento com resoluções simplistas, que não abordam a miríade de desdobramentos de cada ação. O olhar empático que poderíamos depositar no protagonista, visto o registro da sua luta diária, é soterrado não só pela continuidade do seu plano em benefício próprio, mas também pela falta de entendimento do impacto que ele causa nos outros. A rendição, quando inevitavelmente vem, é romantizada e circunspecta, apostando na capacidade alheia do perdão para se valer.

O mesmo ocorre com o tema principal, que ganha uma música piegas para embalar uma suposta rede de acolhimento abrigada nas redes sociais. Neste caso, o oferecimento de um desfecho fofo e lindamente embalado torna-se um desserviço, dada a seriedade que a discussão sobre saúde mental deveria abarcar.

Surpreendentemente, não se nota muito esforço também na direção de Stephen Chbosky. Ao invés de jogar com as potencialidades do gênero e expandir o valor das canções, o diretor opta por filmá-las timidamente (em uma sala de jantar ou no palco de um teatro escolar), sem grandes movimentações ou jogos de luz. Quando enfim decide se arriscar, apela para clichês como a fusão de rostos durante a melosa “Réquiem”. Estabelece-se, portanto, um jogo visualmente apático onde o poder de cada sequência musical depende exclusivamente da interpretação dos seus atores, que oscilam bastante no feito. O maior destaque é sem dúvida Platt, dono de um poderoso vocal e que, por conhecer bem o material, sabe exprimir o que há de melhor nas letras.

O mesmo não ser dito da sua atuação. Embora tenha demonstrado talento em outros papéis, Platt parece terrivelmente deslocado neste filme. Neste sentido, um grande problema deriva exatamente do ponto anteriormente citado: por estar confortável na pele de Evan, o ator decidiu reproduzir os trejeitos do personagem na sua adaptação cinematográfica, esquecendo-se de observar as lacunas entre teatro e cinema. Suas mãos nervosas, pernas vacilantes e corcunda profunda parecem exageradas quando filmadas em closes e acabam chamando a atenção para outras artificialidades, como a sua idade.

Quando atuou na Broadway, ele tinha vinte e três anos e, tendo a seu favor a distância entre palco e público, parecia jovem o suficiente para executar o papel. Não é o caso do filme. Platt parece dolorosamente “velho” como Evan, embora só tenha vinte e sete anos. Sua compleição adulta contrasta-se muito com as dos demais atores e a sensação de desconforto apenas é piorada pela grosseira maquiagem e péssima iluminação (que acentua todas as linhas de expressão ao invés de suavizá-las).

Somados, cada um desses pequenos elementos contribui para um maior afastamento emocional. Apesar de uma boa premissa, faltam densidade e sensibilidade à “Querido Evan Hansen”, profundamente sentidas ao longo de uma sucessão de cenas pouco inspiradas, músicas não tão cativantes e flash-fowards clichês. Assistindo ao filme, é impossível traçar razões objetivas para o sucesso da peça na Broadway – ou mesmo algo que justifique sua adaptação para o cinema.   

Ficha Técnica

Ano: 2021

Duração: 2h 17 min

Gênero: musical

Direção: Stephen Chbosky

Elenco: Ben Platt, Julianne Moore, Kaitlyn Dever, Amy Adams, Danny Pino, Colton Ryan, Amandla Stenberg

Avaliação do Filme

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