Por Felipe Galeno

Tom Hanks é uma daquelas figuras que sempre desperta uma enorme simpatia de boa parte do público assim que aparece na tela. Ao longo de mais de quatro décadas de carreira, nos acostumamos a olhar para a figura do ator e esperar sempre as melhores intenções, e isso tem a ver tanto com seu talento como intérprete quanto com o tipo de generosidade que costuma demonstrar na maioria de seus papéis e personagens. Seu novo longa, “Relatos do Mundo”, primeiro faroeste de seu currículo, tenta se assemelhar ao ator na forma como se apoia numa imagem de gentileza, mas, ao contrário de Hanks, há pouco destreza no filme por trás dessa faceta bem-intencionada.

A narrativa, adaptada do livro homônimo de Paulette Jiles, acompanha o Capitão Kidd, veterano da Guerra Civil interpretado por Hanks, que tenta ganhar a vida no Oeste americano dos anos 1870 viajando de cidade em cidade e lendo as principais notícias e jornais para a população de cada lugar. Durante uma dessas viagens, Kidd se depara com Johanna (Helena Zengel), uma menina de 10 anos, perdida no meio de uma trilha, com traços europeus e vestes indígenas. Em um primeiro momento, Kidd opta por apenas ajudar a menina a chegar em um local seguro e em, então, seguir sua jornada nômade pelas cidades da América. Após um pouco mais de contato, porém, o ex-soldado se identifica com as dores da jovem; assim como ele, ela também perdeu seu núcleo familiar e não tem mais o espaço que chama de lar ao seu redor. 

É a partir dessa conexão que Kidd decide ajudá-la a chegar na casa de seus únicos parentes próximos. Também é dessa interação que saem os melhores momentos do longa, que, apesar de não dar toda a profundidade possível à relação entre protagonistas, consegue encontrar certa graça quando deixa o poder de seus intérpretes brilhar. Hanks evoca toda essa ternura associada a sua persona cinematográfica com sutileza suficiente para dialogar bem com a cautela inocente de Zengel. O resultado é uma relação paternal que eleva a força do projeto e é, por si só, agradável o bastante para deixar um sorriso no rosto de quem assiste.

A questão é que, para além do charme desse contato, “Relatos do Mundo” não tem tanta coisa a oferecer. A direção de Paul Greengrass – que já havia trabalhado com Tom Hanks em “Capitão Phillips” (2014) – é hábil com o elenco, mas apenas adequada em todo resto. O cineasta abre mão de suas marcas estilísticas habituais (câmera tremida e montagem dinâmica) e entrega um trabalho bem acomodado, que não tenta se mover de uma forma muito diferente da que se espera. Nem chega a ser uma simplicidade nos moldes do classicismo que o cinema de western americano costumava carregar, e sim uma condução convencional, que filma sua narrativa de acordo com os costumes de um drama de época hollywoodiano médio.

Com isso, resta pouco espaço para inventividade ao longa. Visualmente, tudo se resolve entre planos abertos que servem para mera contextualização ou para ostentar o desenho de produção, e close-ups bem genéricos que tentam aproveitar o talento do elenco da forma mais segura possível. Já em termos de narrativa propriamente, o longa se apoia na empatia que o público cria pela história e não se arrisca além disso.  Existem questões políticas e históricas que são insinuadas – como a problemática das relações étnicas entre homem branco e indígenas ou imigrantes, por exemplo – mas nunca chegam a ser debatidas ao ponto de que o filme nem chega a, de fato, dizer algo sobre elas.

Ainda há comoção e engajamento para o espectador, mas esses sentimentos perdem potência diante da preguiça do projeto. Isso afeta algumas cenas que deveriam soar catárticas, mas não conseguem atingir tal potência. Um bom exemplo é a cena de leitura das notícias no meio do filme. O trecho, em que o protagonista tenta usar os seus relatos de jornal para despertar valores de esperança e justiça em uma cidade assolada pelo abuso de poder e divisão ideológica, é claramente pensado para reforçar uma mensagem sobre o poder da verdade, posto acima de distorções conspiratórias que denunciam preconceitos arraigados na contestação da ideia de integração da nação. A maneira como é executada, entretanto, é demasiadamente esquemática, muito firmada em uma fórmula de “momento inspirador” para  cativar demais o público por muito tempo. 

O clímax, por sua vez, acaba sendo o mais eficiente do longa, e ainda assim é bem mais por mérito dos atores do que por alguma criatividade do roteiro, que trabalha em moldes conservadores. É um encerramento que serve de bom indicativo para um longa que, por si só, não sai do mediano e que, se encontra ressonância, é através da habilidade de suas atuações centrais. Um projeto simpático, mas com pouco a oferecer além disso.

Ficha Técnica

Ano: 2021

Duração: 118min

Gênero: western, ação, aventura, drama

Direção: Paul Greengrass

Elenco: Tom Hanks, Helena Zengel, Tom Astor, Elizabeth Marvel

Avaliação do Filme

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