Por Luciana Ramos

 

A prolífica carreira de Nicholas Hoult começou ainda cedo e, aos poucos, o ator foi construindo uma carreira interessante, baseada em apostas pouco convencionais que lhe deram a oportunidade de explorar um aguçado humor, ao mesmo tempo sarcástico e autodepreciativo. Do Rei Peter de “The Great” ao morto-vivo apaixonado de “Meu Namorado é um Zumbi”, seus personagens mesclam certa ingenuidade que, de uma forma ou outra, alavancam o potencial cômico das produções que participa.

Assim, a ideia de junta-lo ao estilo performático de Nicolas Cage – cujas excentricidades de escolhas e o tom cênico sempre acima o transformaram em um tipo único, facilmente reconhecido – parecia perfeita. Infelizmente, o material de “Renfield- Dando o Sangue Pelo Chefe” é bem abaixo do potencial de ambos os atores, criando aquela indesejada sensação de desperdício que contamina o público quando se vê diante de um material tão insosso.

Baseado livremente nos personagens de “Drácula de Bram Stoker”, o roteiro se propõe a explorar a relação tóxica entre o Conde Drácula e seu servo mais fiel, Robert Montague Renfield. Após séculos de devoção absoluta, este começa a se questionar sobre o modo que é tratado pelo chefe. Ele o enxerga como um grande narcisista que obriga a morte sistemática de pessoas para ser alimentado. Renfield, por sua vez, come insetos para reabastecer o seu poder e realiza as tarefas profissionais com bastante apreensão, já que não foi capaz de apagar a sua profunda humanidade.

Como forma de atingir um meio-termo, Robert arma um plano: ele vai frequentar um grupo de apoio para relacionamentos tóxicos e caçar os algozes daquelas vítimas. Seria, na sua cabeça, um ato de bondade privar uma pessoa ruim da existência, mas seu chefe acha o sangue deles sem graça e, por meio de ameaças, o obriga a sair em busca de cidadãos despreocupados, alienados ou bons o suficiente para serem suculentos.

Um Renfield em desespero segue para executar a missão, mas é interrompido pela ação de uma gangue criminosa, os Lobos, que tentavam assassinar a jovem policial Rebecca (Awkwafina). Esse entrelace conduzirá o resto da ação, visto que os dois unem as forças para combater a nova aliança entre Teddy Lobo (Ben Schwartz) e Conde Drácula, que agora anseia em dominar o mundo.

Embora escassas até o terceiro ato, as cenas de ação apostam na violência exagerada – cabeças esmagadas, corpos desfeitos, entre saltos e voos – como ferramenta de humor e, embora sejam bem-feitas, parecem discrepantes do resto da narrativa. Há muito espaço na discussão das características abusivas entre o relacionamento principal, seguida de momentos de ação afirmativa em que Renfield tenta se reinventar.

Embora explícita, essa dinâmica não é bem delineada, mostrando-se aquém de outros filmes pautados no “chefe dos infernos”, como “O Diabo Veste Prada”. As inadequações e diferenças latentes do protagonista em relação ao mundo em que vivem também, invariavelmente, lembram o muito melhor “O Que Fazemos nas Sombras”, demarcando uma indesejada mediocridade no filme dirigido por Chris McKay.

Em meio a escolhas narrativas genéricas e piadas que oscilam em qualidade, o filme caminha pelo previsível até o seu desfecho, sem demonstrar um pingo de originalidade que o justifique. Nem mesmo a ótima verve cômica de Hoult e Cage é capaz de suplantar os problemas estruturais de “Renfield – Dando o Sangue Pelo Chefe”, que se mostra uma oportunidade perdida de dar uma roupagem contemporânea a personagens clássicos.

 

Ficha Técnica

Ano: 2023

Duração: 1h 33 min

Gênero: comédia, fantasia, terror

Direção: Chris McKay

Elenco: Nicholas Hoult, Nicolas Cage, Awkwafina, Ben Schwartz, Shohreh Aghdashloo

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