Por Marina Lordelo

 

Charley corre assim como Antoine em um longo travelling lateral – não há rumo aparente, senão uma busca interior> Porém, diferente do famoso filme francês, “Os Incompreendidos” ( François Truffaut, 1959), o diretor britânico Andrew Haigh escolhe essa emblemática abertura para apresentar a geografia de uma cidade de beira de estrada, desinteressante, fria e alheia as necessidades de Charley. Ora, se o espectador não se vincula ao lugar, nada prenderá o protagonista a um espaço que ele não se sente pertencido.

 

 

Assim, de temperatura azulada, inicia-se “A Rota Selvagem”, (Lean on Pete, 2018) que leva em seu título original o nome do cavalo de corrida que conduzirá o protagonista Charley (Charlie Plummer), um garoto de 15 anos, pelo que viria a ser uma espécie de Road Movie de Portland para uma cidade no interior do Wyoming. Uma adaptação da obra literária homônima do escritor e músico estadunidense Willy Vlautin, o filme tem a função crucial de ressignificar essa tradução entre dispositivos. E a sua eficiência, apesar de oscilar na estrutura dramática do roteiro, é engenhosa na direção dos atores e na dinâmica dos planos – alguns personagens são dispensados no meio do caminho para que Charley assuma sempre as rédeas da narrativa.

Charley e Pete tornam-se então amigos, ainda que o tratador Del (Steve Buscemi) reitere seu interesse exclusivamente comercial no animal. O protagonista segue por um emaranhado de relações distintas – o abandono de sua mãe, a necessidade do dinheiro para comer, a relação irresponsável com seu pai, o conforto e sobretudo a escuta passiva de Pete – apresentando-se como um garoto que precisa de pouco, muito pouco para viver. E dentro desta construção de sutilezas, na sequência onde vê uma jovem garota obesa ser maltratada por seu avô por conta do peso, ele mostra uma empatia gratuita e honesta que nunca recebeu de ninguém.

Com uma câmera habilidosa em acompanhar o protagonista e que abusa de panorâmicas calculadas, o diretor de fotografia dinamarquês Magnus Nordenhof Jønck usa por vezes superenquadramentos para adicionar uma camada de dramaticidade a figura do jovem Charley. A angústia provocada pelo abandono materno e as dificuldades da instabilidade de seu pai Ray (Travis Fimmel), ainda que sejam eventualmente verbalizadas, está na construção imagética dos planos criados pela dupla Jønck e Haigh.

 

 

Ainda em aspectos mais técnicos, o som é também um elemento interessante na obra, que, por ser um filme com cavalos, dispõe do desafio constante de equilibrar a utilização dos sons naturais dos animais, entre trotes, relinchos e outros diversos com os diálogos e os demais sons diegéticos, além, claro, da música. Toda a trilha do filme reflete o clima do abandono e da solidão ambientados na country music óbvia da temática mas com algum rigor em sua utilização.

E se o filme é intenso na sua narrativa, ainda que demande as duas horas de duração, é evidente a tentativa de abarcar na tela uma obra literária cheia de nuances. E neste sentido há pequenos deslizes do roteiro que tenta ser maior do que realmente precisa. Não há incoerências ou “furos”, mas há um ritmo que não permite que o espectador recobre a leveza, que chega perto do melodrama ainda que, no último suspiro, consiga se livrar dos elementos que o colocariam neste lugar-comum.

Charley novamente corre, mas dessa vez observado de trás, em travelling in, com o distanciamento necessário para que seus sonhos e sua vida recobrem o sentido, com o suporte mínimo que qualquer ser humano precisa para viver.

 

*Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.

 

Pôster

 

 

 

 

 

 

 

 

Ficha Técnica

 

Ano: 2018

Duração: 121 min

Gênero: drama, aventura

Direção: Andrew Haigh

Elenco: Charlie Plummer, Travis Fimmel, Steve Buscemi

 

Trailer: 

 

 

Imagens:

Avaliação do Filme

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