Por Luciana Ramos
Em tempos de crise criativa na indústria cinematográfica, o anúncio de um remake pode vir acompanhado de uma boa dose de descontentamento. Os opositores firmam-se nos mais diversos exemplos de obras que prometeram uma releitura de algum clássico e acabaram mutilando-o. Em tais casos, o clamor pelo lucro é imperativo e culmina na cópia (quase) fiel dos planos, sem o devido cuidado com o que realmente importa nos filmes: sua capacidade de estabelecer uma conexão com o público. Como resultados, novas versões de “Psicose” e “Ben-Hur” parecem esterilizadas.
O novo “Sete Homens e Um Destino” é um caso que certamente foge a essa regra. O nítido esforço intelectual em fazer uma releitura da obra original, respeitando a sua estrutura narrativa e, ao mesmo tempo, alinhando-a às expectativas dos dias de hoje, a tornam o exemplo do que a proposta de um remake deveria sempre ser. Livrando-se de reviravoltas e subtramas desnecessárias, o filme foca nas dificuldades práticas da missão apresentada como forma de trabalhar o conflito. Ademais, acerta ao afastar-se do envolvimento dos justiceiros com uma vila mexicana, como no primeiro filme, e voltar-se para a história americana como inspiração.
Ao descrever o dilema de uma cidadela em formação, discorre sobre os princípios do capitalismo e a posse como forma de poder. A figura que representa esses valores é Bart Bogler (Peter Sarsgaard), o “barão do crime”, que oferece aos habitantes de Rose Creek uma proposta ingrata: venderem as suas propriedades por 20 dólares ou serem mortos.
Diante da iminente tragédia, Emma Cullen (Haley Bennet) viaja em busca de um justiceiro que seja capaz de dete-lo. Propõe ao caçador de recompensas Sam Chisolm (Denzel Washington) o trabalho em troca de todas as suas economias e este, mais interessado na missão por motivos pessoais, aceita e recruta outros seis especialistas no uso de armas para ajuda-lo. São eles: Josh Faraday (Chris Pratt), Goodnight Robicheaux (Ethan Hawke), Jack Horne (Vincent D’Onofrio), Billy Rocks (Byung-hun Lee), Vasquez (Manuel Garcia-Rulfo) e Red Harvest (Martin Sensmeier).
As rápidas introduções que se seguem delineiam a personalidade e habilidade de cada um dos sete homens. Nesse ponto, justifica-se melhor que o filme original, dando ainda vazão a um elenco heterogêneo que atende ao clamor da representatividade no cinema, em voga nos dias de hoje. O roteiro de Nic Pizzolatto e Richard Wenk segue bem estruturado, construindo de forma gradativa o clímax, por vezes oferecendo pequenos momentos de ação. Estes intercalam-se com comentários sarcásticos e quebras de expectativas que fornecem humor à trama. O confronto, quando chega, ultrapassa as expectativas pela diversidade de acontecimentos concomitantes que, somados pela montagem paralela, tornam o terceiro ato dinâmico e tenso.
As cenas são refinadas pela incorporação da estética característica do western: os planos de detalhes das mãos juntos ao coldre e dos rostos são bastante usados, assim como as panorâmicas grandiosas que revelam a aridez do Velho Oeste. Nas mãos de Antoine Fuqua, o filme ganha densidade e beleza, através da exploração da profundidade de campo e um jogo entre luz e sombras.
O destaque artístico estende-se à cenografia, figurino e, especialmente, a trilha sonora. Esta usa instrumentos como a flauta indígena para compor uma música que cresce conforme o avançar das cenas, culminando na apresentação da clássica trilha de Elmer Bernstein ao final.
As atuações são outro ponto alto do filme. A habilidade dos atores principais é notada na forma como cada um consegue tecer seu personagem de características bem individualizadas mas, ainda assim, obter harmonia quando estão em grupo. Denzel Washington, frequente colaborador de Fuqua, encarna completamente a figura do cowboy, fornecendo credibilidade ao seu papel de líder do bando.
Ethan Hawke, em contraponto, equilibra o extremo talento de Goodnight com fragilidade psíquica, revelando-se mais complexo do que apresentado ao início. Haley Bennet afasta-se dos ideias de donzela indefesa ao imprimir força no papel de Emma. Peter Sarsgaard, por sua vez, faz um excelente trabalho ao transparecer a ganância em um olhar cheio de rancor, pontuado pela covardia de quem contrata pessoas para fazerem o trabalho sujo por ele.
Ainda que no geral rebuscada, a história suscita a pequenos deslizes pela incorporação de cenas desnecessárias. As resoluções pouco críveis de alguns embates (algo bem comum em filmes de ação) são um exemplo, assim como o clichê da luta entre índios de lados opostos.
As falhas, no entanto, tornam-se detalhes diante do trabalho de releitura de um clássico, que não só sabe como referenciá-lo como também reconhece os pontos datados dos quais deve afastar-se. Assim, “Sete Homens e um Destino” cumpre o seu papel de oferecer um entretenimento de qualidade: ele introduz uma história emblemática do cinema a uma nova plateia, atende aos anseios dos fãs mais fervorosos do western e consegue exceder as expectativas dos demais ao demonstrar domínio artístico do gênero, adicionando pitadas pop na mistura.
Ficha técnica
Ano: 2016
Duração: 132 min
Nacionalidade: EUA
Gênero: western
Elenco: Denzel Washington, Ethan Hawke, Chris Pratt, Peter Sarsgaard, Haley Bennet, Vincent D’Onofrio, Byung-hun Lee, Manuel Garcia-Rulfo, Martin Sensmeier
Diretor: Antoine Fuqua
Trailer:
Imagens: